30 de novembro de 2012

Texto do Leitor - "Mero Pirralho"

Boa noite, pombinhos!

Hoje, atipicamente, não posto um texto original. Posto um texto enviado por um leitor - um grande amigo, Pedro Henrique -, que ele escreveu para sua amada - minha querida amiga, Ana.

     "Um pirralho de 6 anos, que nem sabe o que quer ser, nem sabe o que é viver. Um pirralho ao qual não conhece o mundo, ao ver toda aquela caoticidade, decide agir e mudar o mundo! Mas claro, “mudar o mundo”, pois como dizem, se você quer mudar o mundo, comece você mesmo! E, sempre ao ver sempre aqueles seres, se é que podem ser “analisados” como seres, que chegavam às pessoas que estavam por um tempo e diziam a frase “eu te amo” num dia e no outro saiam brigando e traindo essa pessoa que parecia ser “amada”, resolveu fazer uma promessa, promessa na qual iria cumprir independentemente do que ocorresse no decorrer de sua vida. Promessa que era dizer essa frase, vulgo “eu te amo”, para uma única pessoa, em toda sua vida, para uma única pessoa...

    
     Passaram-se cerca de 12 anos e aquele garoto cresceu, e como o prometido, nunca disse “eu te amo” pra ninguém, para seus amigos, para ficantes ou para qualquer pessoa que tenha passado em sua vida, nem mesmo para seus pais, ao qual na opinião dele o amor paterno já era retribuído de igual maneira. Porém, eis que esse “bocózão” desse guri, encontra uma garota, uma garota que fez ele sentir algo, algo que não pode ser decifrado por meros mortais, algo que não se consegue falar com palavras, algo que só ele sabe o que é, algo que essa mulher trouxe para a vida dele. Ainda assim, havia um “problema” um problema ao qual nem era tão grave, se chamava distância, ao qual eles compensavam, com muitas chineladas, e muitamô!
    
     Aquele menino, no qual um dia tinha o objetivo de mudar o mundo, viu que seu mundo já tinha mudado, e que cada dia desses 12 anos que se passaram, fez a frase “eu te amo” ter o melhor valor que ele poderia querer, e que talvez os dias de promessas dele, estavam chegando perto do fim, por aquela garota, ao qual irá estar o resto da vida ao lado.
    
     Ana Paula Xavier "

13 de novembro de 2012

Não gosto de andar de ônibus

      Fui uma daquelas meninas mimadas que eram carregadas de carro pelos pais pra cima e pra baixo até os doze apenas. Aos onze comecei a me aventurar a pegar ônibus sem uma tia ou prima por perto – só aos treze que mamãe deixou que eu começasse a andar sozinha por mais que quatro ou cinco quarteirões. Lembro-me de, na oitava série, aos treze, ir e voltar do colégio utilizando transporte público. Aquilo, pra mim, era um sinal de maturidade. Eu estava crescendo.
    
      Hoje, cerca de quatro anos depois, já saí do ensino regular e entrei na universidade. Uma das entradas para o campus da UFU – por sorte, o mais próximo dos blocos em que tenho aulas – fica a cerca de dezoito quarteirões da casa em que moro, na mesma avenida até. São apenas três ou quatro paradas do ônibus, sem muitos esforços.
    
      Apesar de mamãe me levar na maioria das vezes (quase dezoito anos na cara e ela ainda sente pena de mim ao pensar que estou andando sob o Sol), sempre que não estou atrasada – raras situações – e ela está ocupada o suficiente para me deixar ir sozinha, eu opto por descer a pé a avenida. Fico alternando entre as calçadas, me descabelo completamente e acabo com aquele cheiro de vento de cidade. A volta é uma subida consideravelmente mais pesada (e geralmente já estou mais cansada do que gostaria, nessas horas de retornar), mas, ainda assim, gosto do trajeto.
   
      No ônibus, as pessoas me observam o tempo inteiro. Puxam assunto. Questionam a música que escuto. Julgam-me louca se falo comigo mesma. Ali não posso cantar, não posso dançar – sim, eu danço no meio da rua. A velocidade é, pra mim, o único atrativo do transporte público.
    
      Existe algo maravilhoso sobre andar, sozinha. Descobri isso em uma ocasião em que calculei incorretamente meu dinheiro e, entre muitas impressões de trabalhos da escola, não havia sobrado o suficiente para pegar um ônibus. Estava no Terminal Central, a uma distância considerável da minha casa – cerca de quatro quilômetros. Não vou mentir, havia vários meios de conseguir uma carona de volta. Mas, no fundo, eu não queria. Queria descobrir o que aquela distância representava.
    
      Foram cinquenta minutos interessantíssimos. Cantei, conversei com meus amigos imaginários, criei infinitos diálogos que jamais ocorreriam, fui educada e sorri aos vários estranhos que passaram por mim, e pensei tanto na minha vida que nem consegui me lembrar depois das decisões que tomei. Ao chegar a casa, meus músculos se contraíam involuntariamente, e eu sentia muita fome – um senhor muito gentil deixou que eu levasse uma garrafa d’água por metade do preço, na metade do caminho.    
    
      Na semana seguinte, mesmo tendo dinheiro suficiente para ir e voltar várias vezes, escolhi repetir a experiência. Igualmente interessante. Tenho alguns flashes de lembrança mais nítidos.
    
      Semana passada, em um dia em que seria totalmente desnecessário e imprudente ir à UFU, insisti em fazer o caminho. A ameaça de chuva não me assustava. De fato, na metade do caminho, ela começou a cair. Valeu a pena, de uma forma ou outra. É uma forma de estar comigo mesma, e só. Estou sempre tão cercada de gente – em casa, na faculdade, na cidade. É bom aproveitar esses nichos de solidão.
    
      Ano que vem completo os tais dezoito e, alguns meses depois, espero já estar com minha habilitação e meu carro. Em breve me mudo pra uma casa vinte quarteirões mais distante da UFU que a em que moro atualmente. As coisas certamente mudarão, no que concerne esse trajeto até a universidade.
    
      Mas há tantos outros caminhos a se descobrir.

9 de novembro de 2012

Dia de Sono



     Hoje acordei cedo, contra a minha vontade. Havia muito a ser feito. Tantos desenhos, tantos trabalhos, tantos textos. Apressei-me em terminar o que de imediato era necessário, para que pudesse deitar-me novamente.
    
     Dormi sem nem perceber.
    
     Sonhei que, sentada em uma sala, pensava sobre a vida.
    
     Está chegando novamente aquela época do ano. Aquela época em que ele se encerra, pra que outro comece.
    
     Todo ano ocorre a mesma coisa. Dúzias de expectativas, centenas de ideias e planos. Doze meses se passam e nada muda. Minha vida continua basicamente a mesma coisa. Engano minha consciência com as mesmas meias verdades e descaradamente minto pro meu coração, dizendo que tudo ficará bem. Ah, vida curiosa essa. Vivemos em ciclos de doze meses. Acreditamos que neles está contida toda a magia da existência.
    
     2012 talvez esteja sendo, de longe, o melhor ano da minha vida (desde 1995). Amadureci a níveis que nunca julguei possíveis. Conheci mais pessoas que jamais havia conhecido dentro de um só ciclo. Algumas terríveis. A maioria incrível, por sorte.
    
     Apesar de tanta positividade, duvido que em um só ano meu coração tenha dado tantas voltas dentro do meu peito, ou tenha corrido tanto atrás do próprio rabo. O maior ensinamento do ano? Pro inferno com a superficialidade e as aparências. Você mesma esconde tanto por trás da sua casca (um pouco mais gordinha que no ano anterior). Dezessete anos depois, finalmente entendeu o quão pouco ela representa.
    
     Fiz uma amiga imaginária também. Mais uma, na verdade.
    
     Estou noiva da Arquitetura. Caso-me em breve.
      
      (Nesse momento, a sala, até então vazia, começou a encher-se de sons. Aos poucos, tomava forma ao meu redor um jantar de Natal de filme estadunidense. Várias pessoas passavam por mim. Algumas me atravessavam. Um senhor de barba branca foi o único a me notar, e a perguntar se eu tinha fome. Disse que sim. Ele sumiu. Todo o resto sumiu também.).
    
     Continuei pensando.
    
     Passeei por lojas decoradas pro Natal enquanto mal havia terminado o primeiro período da faculdade. A maioria acharia isso um saco. Talvez um paradoxo sobre nossa existência atrasada. Eu sento e me agradeço pela greve.
    
     A greve foi bondosa em haver nos escolhido, em haver escolhido 2012. Meu 2012 não estaria sendo tão bom não fosse por ela.
      
      (O vazio da sala começou a tomar formas de uma construção quase medieval. Parecia uma taverna. Vários brasileiros vestidos como vikings passaram por mim. Um japonês magrelo e uma linda de olhos grandes vieram até mim e disseram que já havia passado da minha hora de dormir. Cochilei em sonho. Acordei na vida real).
    
     Sentei-me na cama e enrolei-me nas cobertas – apesar de não estar tão frio assim; estava com fome. Eram 18h. Estava dormindo desde as 11h30. Olhei ao meu redor, procurando os contornos da taverna, e qualquer rosto familiar. Apenas paredes brancas e os móveis do meu quarto. Não gosto de bebidas alcoólicas, mas naquele momento aceitaria qualquer coisa que viesse de lá. Sentia falta.
    
     Tentei pegar no sono mais uma vez, mas já não estava mais tão cansada. Escutei o barulho da televisão ligada na sala. Uma propaganda de Natal, com músicas típicas ao fundo.
    
     A época mais bonita do ano.
    
     Filosofei sobre as renas e até fingi que era um elfo. Convidei meus amigos imaginários a se sentarem comigo na cama. Contei pra eles sobre meu sonho. E sobre meu coração. Falei de todas as pessoas que haviam ido e voltado na minha vida. Abraçaram-me. Disse-lhes que estava encantada. Perguntaram-me o que havia me encantado. Tive medo de admitir para mim mesma, então não quis contar para eles. Mas eles sabiam. Eram parte de mim.
    
     Brincamos de cantar músicas de The Rocky Horror Picture Show, até que caíram no sono. Eu permanecia acordada. Ao fundo, a canção natalina continuava tocando.
    
     Foi quando percebi que ainda estava sonhando.
    
     Um sonho dentro de outro sonho.
    
     Fiquei presa lá por várias horas ainda.
    
     Teria ficado por ainda mais tempo. Porém, tinha um compromisso importante às 8h, no dia seguinte. Não podia perdê-lo.    
    
     Não podia perdê-lo.

27 de outubro de 2012

O Banco.

Sentei-me pra ler um livro num banco.
     
Era um banco de madeira, comprido, e só eu me sentava nele. O tempo estava nublado, e a luz solar se espalhava de forma difusa através das nuvens pesadas. A brisa que soprava era leve e fresca, apenas o suficiente para que eu a sentisse na pele, e não movimentasse involuntariamente as páginas daquele livro que eu estava prestes a abrir.
     
O banco estava entre os pilotis de um bloco de salas de aula, na universidade. Aproximava-se a metade do turno da tarde – a maioria dos estudantes se amontoava nas filas enormes de lanchonetes. Torravam seu dinheiro em cremes de açaí e croissants de chocolate, para depois se sentarem nas mesinhas engorduradas, enquanto reclamavam dos projetos e dos professores. Estudantes de Arquitetura, principalmente.
     
Um garoto passou entre aquelas muitas mesas perguntando se alguém se interessaria em comprar brigadeiro. Ofereceu-me um, mas recusei de forma educada – prefiro ler com estômago vazio. Ele agradeceu e seguiu em frente, passando por uma garota que, aguardando sua vez na fila para comprar uma latinha de Coca Cola, arrebitava o bumbum e tomava fôlego para que os seios parecessem maiores. Garotos a observavam, e discutiam sobre ela. A vontade que sentia de acertá-la com o livro que tinha em mãos era enorme, porém fui capaz de me controlar. Além do que, ainda nem havia começado a lê-lo – sequer estava aberto. 
     
O relógio marcava 16h, e aos poucos o lugar foi se esvaziando. Restavam apenas as moças que trabalhavam na lanchonete, e um ou outro estudante atrasado (além dos vagabundos que, como eu, recusavam-se a ir para suas salas de aula). Duas garotas, com camisetas do curso de Design, sentaram-se no banco ao lado do meu. Desejei expulsá-las a pontapés, mas acabei me dando conta de que fofocavam sobre uma festa que havia ocorrido no fim de semana passado – na qual havia pessoas que eu conhecia. Me interessei nas possibilidades e me concentrei no que falavam.
     
Lá pelas 17h30 elas se cansaram de falar, e resolveram sair dali. Após tantas informações novas – apesar de muito irrelevantes – resolvi me levantar e tomar um copo d’água. Quando voltei pra me sentar, havia uma pessoa sentada no meu banco. No meu banco. Eu até aceitaria dividi-lo, dependendo das circunstâncias, mas seu traseiro repousava exatamente no mesmo lugar no qual eu antes confortavelmente estava. E ele sabia disso. Ainda que tentasse disfarçar, era evidente que em tudo havia um propósito. 
     
Éramos íntimos o suficiente para que eu chegasse reclamando daquela usurpação. Uma pequena discussão seguiu-se por cerca de trinta minutos. Lutei pelo lugar que havia conquistado utilizando tantas piadas e criancices quanto pudesse. Quando finalmente desisti  e aceitei dividir o banco, ele costumeiramente se levantou. Disse tchau e se virou para ir embora, mas não sem, antes, voltar-se novamente para mim.
     
- Você é bem estranha, sabe.
      
Então seguiu seu caminho. Mamãe me ligou quase que imediatamente, avisando que estava me esperando no ponto de ônibus mais próximo. Guardei o livro na mochila e segui lentamente até onde estava o carro, ainda que já estivesse atrasada para a aula de alemão. 
     
     
Acabei não lendo o livro.

10 de outubro de 2012

Guardados, debaixo de sete chaves.



Ah, mundo. Tão vasto, e enorme mundo.
     
Enorme mesmo. Muitos milhões de quilômetros quadrados. Muitos bilhões de pessoas. Milhares de cidades. Centenas de países. Tantas vidas, corridas, sofridas, vivem e morrem todos os dias. Todos os dias.
     
Eu vivo em uma cidade. Moro com minha família. Tenho amigos do colégio, que agora vejo ocasionalmente, e amigos na faculdade, que vejo todos os dias (e nas madrugadas também, às vezes). Sempre nos encontramos, nos abraçamos, nos irritamos, damos tapas, e brincamos de levar a vida a sério enquanto tomamos um açaí com leite ninho, perto do bloco da Música. E tem também os amigos da igreja, os da escola de inglês, e todos aqueles que a gente acaba conhecendo pelas quebradas da vida.
      
E mesmo com esse tanto de gente ao meu redor, dentro desse meu comprometimento de tornar amigos em irmãos, eu ainda consigo arranjar mais gente pra cuidar e amar.
     
Só que longe de mim.
     
Essas pessoas que a gente conhece sem querer, nos comentários de um blog, ou num grupo no Facebook. Pessoas interessantes (que compartilham dos nossos interesses mais bizarros), a princípio seres aleatórios, mas que vão entrando na nossa vida, na nossa rotina, até que percebemos que já se tornaram como companhias congênitas, daquelas que você quer levar pra vida inteira. Daqueles com quem você quer sair pra falar sobre besteiras, sentado num balanço do departamento de Física, fazendo barulho com o canudinho do refrigerante.
     
Mas eles não estão aqui. 
     
A gente se fala todos os dias, mas quando eles choram, não dá pra abraçar um computador e esperar que ela fique bem. E dar tapas no mouse não é efetivo como forma de expressar nossa indignação quando fazem besteira. Damos risadas, mas às vezes gostaria de escutar como elas soam juntas, sem o som metalizado de um fone de ouvido. Videoconferências não bastam quando ganhamos um brinquedo novo, ou estamos chorando copiosamente. 
     
Nosso calor, tão mais quente quanto o humano, é apenas virtual.
      
Quem sabe quando poderemos nos encontrar?...
    
... 
    
Hoje, mais tarde. Amanhã. Semana que vem. Ano que vem.
    
Nunca? 
   
...
    
...
    
O nunca nunca mudaria.
      
Na falta do calor dos seus abraços, o calor de seu amor e sua amizade aquece meu coração.
       
Posso me virar enquanto nos vemos só nos sonhos.

2 de outubro de 2012

Ícaro

Ícaro foi meu primeiro grande amigo.
     
Éramos como dois filhotes de jumento, sonhando em ter asas para fugir de Creta. 
     
Fomos solitários juntos por muito tempo.
     
Solitários porque chatos. Chatos porque solitários.
      
Desentendíamo-nos da forma mais amigável possível. Entendíamo-nos da forma mais mal educada possível.
      
Passamos pelas fases mais difíceis lado a lado. Acabamos nos acostumando com nossas chatices e frescuras. Como irmãos de alma. A cada ano, refletíamos sobre o passado como se mês passado fosse muito tempo atrás. 
     
Hoje, quase sete anos depois, parece que ontem mesmo nos conhecemos.
      
Aparecia lá em casa às vezes sem avisar. Mamãe já esperava sua presença. Comia muito. Perdia peso com o tempo. E cresceu, como cresceu. Ficou tão alto.
        
Fizemos nossas asas usando penas de aves imaginárias, coladas com fé e esperança. Deixamo-las escondidas numa sala cordiforme, sem portas ou janelas, que só o futuro poderia abrir.
       
Também tivemos nossos tempos de rompimento. Coisas demais sempre eram ditas, mas às vezes elas doíam demais. Foram dias de desespero, esses em que nos tratamos como estranhos.
     
Porém, foram bons dias de desespero. Bons porque, um dia, acabaram. Terminamos a primeira fase com uma vida de sobra.
      
Hoje, Ícaro já cresceu o bastante para usar as asas que fizemos. Realmente podíamos ser pássaros, afinal. 
     
Alçou voo alguns dias atrás. 
       
    
E, se um dia o calor da vida mirrar a cola que segura suas penas, eu estarei lá para que o mar não o engula.
   
   

25 de setembro de 2012

Coração de Papel.



"Você me entregou um coração de papel.
        
Era um pequeno origami, feito a partir de uma folha de caderno pintada a lápis de cor vermelho. Alguns vincos se destacavam nas suas superfícies, como se as dobraduras houvessem sido erroneamente feitas várias vezes, antes que a forma final fosse alcançada. Chegou num dia qualquer, pelo correio, em uma caixa amarela comum. Nenhum bilhete, nenhuma plaquinha, nem mesmo o nome seu escrito em grafite acinzentado em uma das faces mal coloridas. Mas eu sabia a quem pertencia. Sabia que era seu. Tinha aquele seu cheiro que eu nunca havia sentido.
        
Por muito tempo eu pensei que ele fosse uma piada, ou até mesmo alguma forma de me mandar uma mensagem subliminar. Talvez você não me amasse tanto assim, ou tivesse medo de entregar-se por completo. Talvez você houvesse produzido várias cópias desse coração, para distribui-lo entre as muitas pessoas inocentes que passassem pela sua vida, e não lhe conquistassem a cordialidade mais profunda. 
       
Era engraçado carrega-lo por aí. Enquanto usei-o pendurado na minha mochila, exibindo-o a todos, escutei as mais diversas teorias e opiniões. Você bem entende como eu não realmente sabia o que significava, pra você, o tal do coração de papel, mas era tudo que eu podia ter vindo da vossa pessoa. Protegia-o quando muito chovia, e a água ameaçava sua integridade, e o tomava nas mãos quando o espaço era muito apertado para que sua forma não se desmontasse. Guardava-o numa caixinha sobre minha mesa de estudos quando não estava fora. Gostava de mantê-lo sempre perto de mim. Mesmo que fosse tão frágil, de papel.
       
Só entendi que era real quando você o pediu de volta.
       
As circunstâncias já me indicavam que as coisas entre nós não eram mais as mesmas, mas nunca pensei que teria que lhe entregar aquele coração. Era tão feio, mal feito... Tão meu. Tão meu havia se tornado, que quase amava mais àquele amontoado de dobraduras do que a ti. Não sei se você ainda se lembra, mas quando foi à minha casa, coloquei-o em suas mãos dentro da caixinha de vidro. Tinha medo que você o estragasse.
      
Mal sabia eu que eu o estragava, a cada dia.
       
Toda a sua fragilidade, sua simplicidade, sua delicadeza e suas peculiaridades se refletiam naquele papel mal colorido. Era parte de ti. Eu o isolei de sua fonte de vida, e não percebi que seu brilho se apagava, sua força morria, seu pulsar desaparecia. Sua essência morria. Ambos morriam.
       
Quando virou as costas para mim, lágrimas pesadas rolaram pelo meu rosto. Tanto tempo tentando cuidar de um coração de papel, que eu julgava ser uma piada tua. Que fosse ser pra sempre meu.
       
Sempre sentirei falta do coração.
             
        
Sempre sentirei sua falta."