Fui uma daquelas
meninas mimadas que eram carregadas de carro pelos pais pra cima e pra baixo
até os doze apenas. Aos onze comecei a me aventurar a pegar ônibus sem uma tia
ou prima por perto – só aos treze que mamãe deixou que eu começasse a andar
sozinha por mais que quatro ou cinco quarteirões. Lembro-me de, na oitava série,
aos treze, ir e voltar do colégio utilizando transporte público. Aquilo, pra
mim, era um sinal de maturidade. Eu estava crescendo.
Hoje, cerca de quatro anos depois, já saí do
ensino regular e entrei na universidade. Uma das entradas para o campus da UFU –
por sorte, o mais próximo dos blocos em que tenho aulas – fica a cerca de
dezoito quarteirões da casa em que moro, na mesma avenida até. São apenas três
ou quatro paradas do ônibus, sem muitos esforços.
Apesar de mamãe me levar na maioria das vezes (quase
dezoito anos na cara e ela ainda sente pena de mim ao pensar que estou andando
sob o Sol), sempre que não estou atrasada – raras situações – e ela está
ocupada o suficiente para me deixar ir sozinha, eu opto por descer a pé a
avenida. Fico alternando entre as calçadas, me descabelo completamente e acabo
com aquele cheiro de vento de cidade. A volta é uma subida consideravelmente
mais pesada (e geralmente já estou mais cansada do que gostaria, nessas horas
de retornar), mas, ainda assim, gosto do trajeto.
No ônibus, as pessoas me observam o tempo inteiro. Puxam assunto. Questionam a música que escuto. Julgam-me louca se falo comigo mesma. Ali não posso cantar, não posso dançar – sim, eu danço no meio da rua. A velocidade é, pra mim, o único atrativo do transporte público.
No ônibus, as pessoas me observam o tempo inteiro. Puxam assunto. Questionam a música que escuto. Julgam-me louca se falo comigo mesma. Ali não posso cantar, não posso dançar – sim, eu danço no meio da rua. A velocidade é, pra mim, o único atrativo do transporte público.
Existe algo maravilhoso sobre andar, sozinha. Descobri
isso em uma ocasião em que calculei incorretamente meu dinheiro e, entre muitas
impressões de trabalhos da escola, não havia sobrado o suficiente para pegar um
ônibus. Estava no Terminal Central, a uma distância considerável da minha casa –
cerca de quatro quilômetros. Não vou mentir, havia vários meios de conseguir
uma carona de volta. Mas, no fundo, eu não queria. Queria descobrir o que
aquela distância representava.
Foram cinquenta minutos interessantíssimos. Cantei,
conversei com meus amigos imaginários, criei infinitos diálogos que jamais
ocorreriam, fui educada e sorri aos vários estranhos que passaram por mim, e
pensei tanto na minha vida que nem consegui me lembrar depois das decisões que
tomei. Ao chegar a casa, meus músculos se contraíam involuntariamente, e eu
sentia muita fome – um senhor muito gentil deixou que eu levasse uma garrafa d’água
por metade do preço, na metade do caminho.
Na semana seguinte, mesmo tendo dinheiro
suficiente para ir e voltar várias vezes, escolhi repetir a experiência.
Igualmente interessante. Tenho alguns flashes de lembrança mais nítidos.
Semana passada, em um dia em que seria
totalmente desnecessário e imprudente ir à UFU, insisti em fazer o caminho. A ameaça
de chuva não me assustava. De fato, na metade do caminho, ela começou a cair. Valeu
a pena, de uma forma ou outra. É uma forma de estar comigo mesma, e só. Estou sempre
tão cercada de gente – em casa, na faculdade, na cidade. É bom aproveitar esses
nichos de solidão.
Ano que vem completo os tais dezoito e, alguns
meses depois, espero já estar com minha habilitação e meu carro. Em breve me
mudo pra uma casa vinte quarteirões mais distante da UFU que a em que moro
atualmente. As coisas certamente mudarão, no que concerne esse trajeto até a
universidade.
Mas há tantos outros caminhos a se descobrir.
Eu nunca havia pensado dessa maneira. Talvez pegar ônibus seja uma experiência interessante, mesmo que só por algum tempinho. Obrigado pelo texto maravilhoso, me ajudou bastante!
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