16 de maio de 2012

Discórdia


"(...) a Discórdia infatigável,
Companheira e irmã do homicida Ares,
Quem a princípio se apresenta timidamente, mas que logo
Anda pela terra enquanto a fronte toca o céu." Homero - Ilíada

- Quem dera fosse eu um passarinho. – Ele disse baixinho, entre suspiros.
- Por quê? – Ela falava entre dentes, sem movimentar a cabeça ou focalizar o olhar vazio.
- Por que o quê?
- Por que você queria ser um passarinho.
- Ah, estava apenas pensando alto. Nada demais. Só uma reflexão boba. Não vale a pena falar sobre.
- Nós estamos sentados aqui há mais de quarenta minutos sem trocar mais do que cinco palavras. Por favor, diga algo sobre essa reflexão boba, antes que o silêncio comece a fazer mais barulho que a minha circulação sanguínea.
Ambos se endireitaram sobre o tapete não muito felpudo, apoiados na parede da sala.
- Ok, vou começar a falar agora. Bem, eu gostaria de ser um passarinho.
- Certo, Batman. E essa parte eu já entendi.
- (Um olhar raivoso) Precisava mesmo dessa grosseria, Anna? Também não vou desenvolver meu pensamento mais.
- (Um acre tom irônico) Desculpa-me, Hulk, não intendia deixar-te zangado – (Um doce olhar sarcástico) – Não obstante, não enxergo tal grosseria. Por qual razão Vossa Mercê gostaria de ser um passarinho?
- Mais uma gracinha, e eu me calo
- Mais uma frescura, e eu não te escuto.
- Você quem pediu que eu falasse sobre minha reflexão, desgraçada. Admita, você não queria me escutar, queria era me esculachar. Seu veneno não estava aguentando ficar tanto tempo fechado dentro dessa boca enorme, sua língua de cobra já clamava por liberdade.
- Se você ia ficar se machucando com qualquer coisinha que eu falasse, por que aceitou falar sobre essa sua maldita reflexão?
- Quer saber de uma coisa, dane-se aquela reflexão, tenho uma ideia nova. Queria ser um passarinho pra poder sair voando, ficar livre de você e de brinde poder defecar na sua cabeça.
- A porta está sempre destrancada para você, Homem Pássaro. E outra coisa, aquela pasta branca é ureia, ou seja, urina, não fezes. Além disso, você já deixa tantos resquícios de urina no vaso sanitário que, na cabeça ou no banheiro, já não me faz muita diferença, actu.

Alguns poucos minutos em silêncio.

- Você não se cansa de todas as nossas melhor intencionadas conversas terminarem desse jeito?
- Não, nem tanto. Sabe, acho que foram elas que me deram a certeza de que devia me casar com você.
- Talvez. – Ele escorregou levemente as costas e encarou, pensativo, o vazio.

Mais um pouco de silêncio.

- Acho que eu só gostaria de ser um passarinho se você também pudesse ser um.
- Mas eu não tenho vontade de ser um passarinho.
- Desgraçada.