24 de novembro de 2014

A parte Tua que me cabe

A parte tua que me cabe nesse latifúndio do teu coração
é que
a qualquer distância
e de qualquer direção
eu ainda te cuide
            e te ame
            e te deseje o melhor desta Terra
            e muita força nos ombros para que segure essa cruz
                                                                                               todos
                                                                                                esses
                                                                                                  dias.
     

13 de novembro de 2014

Você não vê que é pecado? - Por que nos omitimos diante das injustiças do mundo

     Não precisa ir muito longe para que se perceba o alto grau de rejeição que o cristianismo tem experimentado diante da sociedade.  E, contrariando os egos altivos de quem garante ser odiado pelo mundo porque o mundo primeiramente odiou a Jesus (Jo 15:18), o problema está antes na posição egoísta do povo que ousa chamar-se pelo nome de seu Deus, esquecendo-se da parte em que se humilha, busca a face do Senhor, e se converte dos seus maus caminhos (2Cr 7:14).
     
     Diante de toda injustiça do mundo, levanta-se não uma geração que se ocupa em ser uma extensão de Jesus na Terra, mas um povo que carrega uma fé egoísta e interesseira, buscando “paz” e resolução da própria vida. Pulgas, que sugam todo o bem que esteja a seu alcance, e buscam uma zona de conforto a todo custo. Jesus não morreu para uns ou outros. Ele se entregou como sacrifício por todo o mundo (Jo 3:16-17).
     
     No capítulo 1 de Tiago, o apóstolo orienta o povo em seu agir perante o aprendizado da Palavra. Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural. (Tg 1:23). Cumprir a palavra não se limita ao abandono do pecado, ou a alguns mandamentos, mas uma mudança de vida que deve, necessariamente, fazer com que aquele que creia em Jesus Cristo, faça obras maiores que aquelas que Ele fez. (Jo 14:12)
     
     Você não vê que é pecado ocupar-se dos seus próprios interesses, e esquecer-se daqueles em necessidade? “A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo.” (Tg 1:27) Você não vê que é pecado guardar seu tesouro, sua palavra, daqueles que estão se afogando em frustrações e infelicidades? Você não vê que é pecado calar-se diante da injustiça, da mentira, do abuso, e viver uma vida cristã medíocre, de quem não crê em, nem opera milagres?
     
     Ousar chamar-se pelo nome do Cristo implica manifestar-se como representante, embaixador do Mesmo. Não há nada que Deus possa operar por sobre a Terra, sem que haja pelo menos um coração disposto a agir conforme Sua vontade. Quanto falta para que nós consigamos entender que a fé sem obras é morta? (Tg 2:20) Quantos mais precisam perecer, oprimidos por um mundo injusto, privados de sua liberdade, de seus direitos? Abre a boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham desamparados. Abre a boca, julga retamente e faze justiça aos pobres e aos necessitados. (Pv 31:8-9)     

     Vivamos a plenitude da fé que se submete à vontade do nosso Deus, que é bondoso em todo o tempo, e não mais nos omitamos diante daqueles que necessitam. Ou você não vê que isso é pecado?
     
     
     

6 de outubro de 2014

Nós ainda temos tanto pra viver, M.

Então é isso, M., é isso aí. Não era pra ser agora. Não era pra funcionar, pra ser perfeito e ideal como eu sonhava. Pode ser que seja depois, e pode ser que não seja nunca mais. Quem sabe, M.? Só Deus mesmo. Pudera eu entender as coisas que nos acontecem nessa vida complicada. Por enquanto, é mais dor que conforto; mais pesar que alegria; mais doença que saúde; mais veneno que cura.
     
Eu não queria ter que deixar pra lá, M., eu não queria. Eu desejava poder insistir mais um pouquinho, em vez de só deixar que o tempo engula. Eu sei que deixar a cargo do tempo é permitir que a dor ainda corroa as superfícies do meu coração enquanto ela permaneça.
     
Eu achava, M., que seria eu e você por muito tempo. Você insiste que será, que será, mas nós sabemos que não é a mesma coisa. Eu esperei compartilhar muitas coisas com você ainda, porque foi bom o tempo e os pequenos momentos que foram meus e seus, que só nós conhecemos e lembraremos. Era gostosa a sensação de te procurar em meio à todo mundo, e, encontrando os seus olhos, receber carinho de volta. Eu permiti que você apagasse minhas luzes, e que visse tudo isso que eu escondi dentro de mim, pra que outros não vissem; eu te deixei ser luz onde eu não queria abrir os olhos.
     
E, agora, M., acabou. Acabou assim, já não vai mais continuar como era. Não vai, M., não vai. Nós já não somos como um do outro, mas somos comuns um pro outro. E, por mais que me doa, eu sei que comum é o melhor que nós seremos, agora ou pra sempre. É por isso que eu te escrevo agora, M. Nunca me faltou coragem pra falar de tudo de bom que eu sentia. Agora me falta alguma vergonha pra conter esse ímpeto de me desnudar em público. Está tudo claro e simples, apesar de que não pareça muito, agora. Você sabe que eu sou só aquilo que você vê. 

Nós ainda temos tanto pra viver, M., que seria egoísmo meu não te deixar viver as coisas tão grandes que te esperam. Pode ser que o tempo te faça tão melhor que seja bom demais pra mim. E, pode ser que o Tempo te leve pra tão longe, que eu nunca mais te veja. Podia ser que, um dia, nós estivéssemos bons o bastante um para o outro, e prontos pra levar adiante. Mas, por ora, eu vou só deixar pra lá, M. Só deixar pra lá. 
     
     

8 de setembro de 2014

Uma em um bilhão

Eu nem sempre tive 100% de certeza de onde eu vim. E eu sei que você também não. Acontece que, às vezes, a gente olha pra esse mundão e não consegue nem imaginar o tamanho que tem, e quantas pessoas diferentes existem, e quanta fauna, flora, e todos os outros planetas e corpos celestes que existem nesse universo. E, voando pelo espaço, procurando uma resposta, a gente perde altura de voo e vai caindo aos poucos de volta pra atmosfera, pro nosso país, pra nossa cidade, até que volta pro nosso umbigo, e não sabe mais sequer qual o valor que se tem.
     
Eu gosto de pensar que sou o fruto de uma máquina de improbabilidade infinita. Não só pensando em tudo que fez parte do surgimento do planeta, do universo, e das espécies todas, mas pensando em tudo que me torna quem eu sou. Todos os meus atributos, minha personalidade, as pessoas que conheci, os lugares por onde andei. É lindo imaginar que nada aconteça por acaso.
     
Eu não sou só filha dos meus pais. Sou filha dos meus avós, bisavós, tataravós, e dos tataravós deles, e dos tataravós seguintes. Eu não seria quem sou se outro dos espermatozoides do meu pai tivesse fecundado o óvulo da minha mãe. Eu poderia nunca ter existido sem alguém a centenas de anos atrás tivesse tomado um caminho diferente num dia quente, ou não tivesse se mudado de cidade. Se, em vez de olhar pra esquerda, e visto a pessoa por quem se apaixonou, tivesse olhado pra esquerda.
     
Isso parece pequeno, mas é grande, poderoso, precioso. Eu não sou um acidente, nem milhares de acidentes. Eu sou como uma canção da orquestra do Universo. E toda pedra no caminho é uma nova história em potencial para que surja na minha vida. Todo bem, e todo mal que vem, faz parte da minha vida, e estará sempre contido na história de quem vier depois.
     
Eu poderia ter sido várias, mas fui eu quem venci nessa máquina de possibilidades. Eu sou uma em um bilhão, mas também sou só uma parte dessa rede que relações sobre a qual nós construímos a vida. Muitas outras pessoas ainda virão. Pessoas que eu conhecerei, pessoas cujas vidas começarão através de mim. E eu fico feliz em saber que farei parte da improvável preciosidade da vida delas.
     
     

16 de agosto de 2014

Eu perdi meu Romantismo em algum ponto da estrada (Constatação)

Eu perdi meu Romantismo em algum ponto da estrada –
E nem andei mais que dez milhas, ainda, da jornada.
Não sei em que bolso guardei, não sei de que bolso caiu 
Ninguém que andava comigo se recorda se viu.
      
Já voltei mais umas milhas e ainda não achei;
Que lamento, fui provar do mel e logo enjoei.
Era muito açúcar pra que eu conseguisse digerir 
Seria o Romantismo tolerância pra engolir?
      
E o Amor não é mais fogo que arde sem se ver.
De tudo que me resta, só secura e sofrer;  
A razão é que sobrou só a Razão acumulada 
Eu perdi meu Romantismo em algum ponto da estrada.
      

[Ou, quem sabe, de romântica, eu não tenha tido nada.]
   
   

31 de julho de 2014

"Vem cá, meu gato, aqui no meu regaço;
"Guarda essas garras devagar,
"E nos teus belos olhos de ágata e aço
"Deixa-me aos poucos mergulhar."
   
"Quando meus dedos cobrem de carícias
"Tua cabeça e dócil torso,
"E minha mão se embriaga nas delícias
"De afagar-te o elétrico dorso,"
   
"Em sonho o vejo. Seu olhar, profundo
"Como o teu, amável felino,
"Qual dardo dilacera e fere fundo,"
   
"E, dos pés a cabeça, um fino
"Ar sutil, um perfume que envenena
"Envolve-lhe a carne morena."

O Gato - Charles Baudelaire     
     

     

7 de julho de 2014

[sem título]

   Às vezes eu só quero escrever, sabe. Não quero mudar o dia de alguém. Não quero transformar o mundo. Não quero tocar os corações. Só quero botar pra fora. Mas só botar pra fora dá trabalho.
     
   Só botar pra fora pode ser demais. As pessoas são más, as pessoas destroem vidro quando o tem em mãos. Eu posso ser de vidro, às vezes. Ou eu posso ser de aço. De pedra. Pedra quebra e se quebra. Eu não sei bem o que eu sou hoje. Mas isso não importa.
     
   Hoje eu não quero que faça sentido. Que você se identifique. Você pode até conseguir, mas não porque eu quis. Hoje eu só quero pensar que consegui escrever o bastante pra aliviar meu coração. Como uma torneira um registro global, abrindo e fechando uma tubulação com mais de cinquenta milímetros de diâmetro. Parada, acumulando. Preciso vazar, preciso jorrar.
       
   Então, hoje, não é para que outros entendam, para que outros concordem. Hoje eu escrevo pra mim. Pra que eu saiba que eu escrevi, que eu estive aqui. Que eu estou sentindo, estou mudando, estou pensando, estou sorrindo, estou sofrendo. Para que eu me lembre que hoje, neste momento, eu estive viva, e em explosão.
     
     

24 de junho de 2014

Funeral

Não há lamento por quem já vai tarde, além das horas marcadas para que permanecesse aqui
Ainda que por você eu me permita chorar um verso, ou dois,
Colocados numa estrofe bem escrita, bem completada, bem acertada
No meio dessa sua testa suada, escorrendo dos seus hormônios e venenos,
Queimada nas cinzas do meu último cigarro.
   
Hoje, pra mim, você morre; e morrem os poemas que pra você escrevi,
E todos os choros sofridos que me permiti chorar, e aqueles que tão prontamente engoli.
Faço funeral para que você se vá, e qualquer lembrança vá também.
Todas as canções que te cantei são agora trilha sonora de um cortejo fúnebre
Que será sua última pisada sobre as terras de mim.
   
Que você saia debaixo de minha pele e que, pelos buracos que você deixa,
Saiam os restos de tristeza e pesar que me entupiam a aorta;
E que eu seja cheia de contentamento e do bom amor que me foi roubado,
E que eu sorria mais do que sorria antes de saber que você existia,
E que eu nunca mais aceite suas migalhas, mas me farte do Pão da Vida.
   
E que, conforme seu caixão desça, e você desapareça, eu nem me lembre que um dia já sofri.
   
   

13 de abril de 2014

Ilusão

Não sei cantar
Meus dedos não deslizam tão graciosa e facilmente pelas cordas
De um violão bem afinado
Para que elas digam por mim mais que as palavras que me saiam;
Palavras ritmadas, bem rimadas,
Harmoniosas,
Contando uma história que eu ainda nem sei dizer
Se é pra valer.

Pudera eu estar tão esclarecida
Que entendesse exatamente o que a Vida
Quer me ensinar com toda essa confusão,
Toda essa bagunça, toda essa corrida
Que meu coração faz tão naturalmente em sua direção;
E eu não sei cantar, não sei dizer de forma musicada,
Porque é tão mais fácil de entender e explicar
Quando tem ritmo, melodia, e batida marcada.



7 de março de 2014

Lamentação de Poetisa

Eu me desfaço em cada verso,
E logo me refaço no seguinte,
Mas a estrofe nunca é tão completa ou tão bela
Quanto o parágrafo que construo,
O parágrafo de cada dia da vida –
Sou melhor na prosa que na poesia.

Sou melhor na prosa que na poesia,
Porque a frase contínua é vida minha;
Mas estão mortas autora e narrativa,
E não há como vivê-las de novo,
Não há como contá-las, por ora;
Só restam minhas entonações falhas de poetisa.

Sou melhor na prosa que na poesia,
Porque o meu lirismo cheira à Covardia
De quem precisa de linhas partidas, e rimas,
E figuras de linguagem e alegorias
Pra que se faça escutada, contemplada,
Para que se faça ouvida.



28 de fevereiro de 2014

Promessa

Eu tenho promessa a cumprir, meu bem.
Promessa comigo, promessa contigo.
Promessa de Amor e Cuidado.
Mas eu não consigo cumpri-las duas, meu bem,
Já que estamos tão separados.
Pois eu quero ser feliz, quero muito,
Mas, acima, quero-te feliz.

A tua felicidade e a tua tristeza me doem o peito em todo tempo.
Pois teu sorriso, tão grande e bonito, não é meu.
E tuas lágrimas, tão secas e salgadas, se acumulam dentro de ti.
Mas não há como que eu encontre felicidade aqui
Sem que eu sacrifique minhas promessas para contigo;
Essas promessas pequenas.
(Tão pequenas que cabem na palma da minha mão)

Eu não sei qual promessa manter, meu bem.
Eu não sei o melhor a fazer, eu não sei qual caminho tomar.
Eu não sei se é egoísmo se te deixo pra trás.
Mesmo que sempre exista alguém para ocupar o meu lugar.
E eu não sei o que fazer do altruísmo dessa vez.
Eu não sei se quero tanto ser feliz;
Eu não sei se quero tanto ser feliz, assim.


21 de fevereiro de 2014

Luto


Eu não me sentarei aqui, senhor,
Só porque você acha que eu deva me sentar
Enquanto estou de luto,
Só porque estou de preto;
Pois eu não choro, senhor, não mais; repare
Nesses braços nervosos,
Nesses olhos ansiosos
Por definirem um novo caminho a seguir.

Eu não me calarei de vez, senhor,
Só porque você acha que eu deva me calar
Se a minha voz já não sai de cima, como antes;
Pois eu não sou de morte, não sou desânimo,
Não farei da perda minha morte certeira,
E não estou de luto pela vida inteira;
Mas eu luto, e a luta não para,
E a Vida não para, ainda que nos escorra pelos dedos frios.

Mesmo sendo tão menor que o [mundo] todo,
Somos nós todos um mundo só,
E não nos deixamos sentar por mais que um minuto;
Eu não me deixo descansar enquanto exista AR.
E eu também não permito, senhor,
Que você, ou outros, digam que tudo acabou;
A minha estrada só começou,
E a nossa luta não terminou.


7 de fevereiro de 2014

Tu és o Sol que ilumina minha janela



Se eu sou uma casa, um templo, uma edificação,
Tu és a Luz, és o Sol, que me traz calor e iluminação,
Mas só fica de fora, nunca entra, não passa da porta,
E pelas janelas fechadas te vejo sorrindo, sorrio de volta.

É bom que tu venhas, e dance na grama do jardim
Teus raios encontram as esquadrias cerradas de mim
E formam sombras dançantes nas paredes de dentro
E eu me sinto segura, feliz e aquecida, no momento.

Tu és tão mais brilhante que aquilo que eu possa tocar
Por isso te deixo de fora, distante, fácil de olhar
Fácil de olhar sem que percebas, e é assim que precisa ser:
Deixa que eu fique aqui, sozinha; só me faça aquecer.

Mas, por favor, não se esqueça de que, mesmo escondida, estou aqui.  



4 de fevereiro de 2014

Eu não sei o que podemos fazer, Maria

     Eu também tô ferrada, Maria, eu também tô ferrada. Não tô sabendo pra onde eu vou, de onde eu vim, o que fazer. Eu tô desanimada, Maria, eu tô desanimada. Eu tô cansada. E eu tô precisando mudar, revolucionar minha vida. Mas eu não sei o que fazer, eu realmente não sei. Eu tô perdida, Maria, eu tô tão perdida quanto você. Pra onde a gente vai agora, Maria? Eu não tô enxergando o caminho.
     
     E eu tô apaixonada, Maria. Tô apaixonada, de otária que sou. Tô sem saber pra onde eu vou com isso. Eu não queria, Maria, eu juro que não queria. Mas daí foi maior que eu, mais forte que eu. Eu fico sem saber o que vai ser, é sempre tudo tão difícil pra mim. Pra nós, né. A gente se magoa tanto. Eu tô apaixonada, mas isso não me dá mais vontade de viver, não tanta quanto eu preciso, e queria. Eu queria fazer alguém feliz, Maria, é por isso que eu amo. Mas até os meus amados amigos estão infelizes e eu tô deixando, Maria. Você tá infeliz, e eu não consigo fazer nada. Eu não mereço nada bom, Maria.
     
     Mas eu queria merecer, sabe, Maria. Eu queria. Mas eu não sei o que eu devo fazer. Eu não sei o que você deve fazer. Eu não sei de nada, Maria. Eu só finjo que sei, e as pessoas compram a ideia. Isso é ridículo, Maria, é ridículo que eu ainda precise fingir. É só comigo que as coisas são assim, ou é com todo mundo? Por favor, diz que é com todo mundo, Maria, e me diz que todo mundo no mundo é igual. Todo mundo no mundo carrega uma cruz. Maior ou menor, sempre é a mesma cruz. As mesmas dores, as mesmas dúvidas, os mesmos problemas. Eu tenho todos esses problemas que todo mundo tem, Maria, e eu não sei o que fazer com isso. Eu não sei mesmo, Maria. Eu não sei.

3 de fevereiro de 2014

Do clichê dos corações viajantes



Das melhores viagens, não se volta totalmente;
Fica o coração, um pedaço da alma, um sorriso travado,
Preso entre as pedras da rua –
Da última rua em que pisei, antes que fosse embora.

Das melhores viagens, não se esquece totalmente;
O tempo e o vento transformam as boas e más lembranças
Em um só sopro de memória, revigorante e fresca
Como a brisa do nascer do Sol depois de uma noite virada

As melhores viagens não são superadas totalmente;
E qualquer forma de retorno causa a insegurança
De não experimentar da mesma intensidade, da mesma alegria,
E preservar a beleza dos momentos únicos experimentados.

21 de janeiro de 2014

Literata



     Eu queria escrever algo que fosse maior. Maior do que eu, maior que o meu drama, maior que as minhas lágrimas. Algo que fosse o bastante pra atingir as pessoas ao meu redor, e as pessoas ao redor delas, e as pessoas ao redor delas outras. Algo que criasse vida própria, vida além de mim. Que fosse mais da Vida do que meu. Que fosse tão melhor que eu.
     
     Eu queria escrever algo que fosse digno de entrar nos corações, e fazer Vida. Trazer alívio, trazer reflexão, trazer reflexo. Algo que trouxesse brilho aos olhos, ainda que brilho de lágrimas. Algo que não fosse esquecido, que não fosse apagado. Algo que trouxesse a tristeza da averiguação, mas a alegria da superação. Algo que fizesse saltar um caminho àqueles perdidos. 
     
     Eu queria escrever algo que fosse um porto seguro em meio à tempestade, ou um mirante descoberto num belo dia de Sol. Que abrisse os olhos, que abrisse os ouvidos, que abrisse os lábios e terminasse em canções de júbilo. Algo que traga o júbilo da Vida propriamente dita – a alegria puríssima do existir, do entre olhos distantes que sabem que, de uma forma ou outra, sempre hão de superar o novo dia, tão mais difícil que o anterior.
     
     Ou talvez não. Talvez isso tudo seja grande demais para que alguém queira para si a honra. Talvez toda essa escrita maravilhosa, inconcebível, esteja impregnada nas linhas sinuosas da Vida que nos envolve, como uma lufada de vento num dia de verão. Talvez não seja exprimível, nem pronunciável, ou legível por olhos humanisticamente letrados. Talvez seja só uma aspiração, uma ilusão, uma vocação, uma busca que eu não posso completar.
     
     Eu queria escrever algo que fosse tão grande que eu pensasse ter vencido e alcançado a graça de exprimir o mais sublime da grandeza da Vida. Só para que, no dia seguinte, eu descobrisse não ter conseguido. E nunca parasse de tentar encontrar, entender, conquistar.