27 de outubro de 2012

O Banco.

Sentei-me pra ler um livro num banco.
     
Era um banco de madeira, comprido, e só eu me sentava nele. O tempo estava nublado, e a luz solar se espalhava de forma difusa através das nuvens pesadas. A brisa que soprava era leve e fresca, apenas o suficiente para que eu a sentisse na pele, e não movimentasse involuntariamente as páginas daquele livro que eu estava prestes a abrir.
     
O banco estava entre os pilotis de um bloco de salas de aula, na universidade. Aproximava-se a metade do turno da tarde – a maioria dos estudantes se amontoava nas filas enormes de lanchonetes. Torravam seu dinheiro em cremes de açaí e croissants de chocolate, para depois se sentarem nas mesinhas engorduradas, enquanto reclamavam dos projetos e dos professores. Estudantes de Arquitetura, principalmente.
     
Um garoto passou entre aquelas muitas mesas perguntando se alguém se interessaria em comprar brigadeiro. Ofereceu-me um, mas recusei de forma educada – prefiro ler com estômago vazio. Ele agradeceu e seguiu em frente, passando por uma garota que, aguardando sua vez na fila para comprar uma latinha de Coca Cola, arrebitava o bumbum e tomava fôlego para que os seios parecessem maiores. Garotos a observavam, e discutiam sobre ela. A vontade que sentia de acertá-la com o livro que tinha em mãos era enorme, porém fui capaz de me controlar. Além do que, ainda nem havia começado a lê-lo – sequer estava aberto. 
     
O relógio marcava 16h, e aos poucos o lugar foi se esvaziando. Restavam apenas as moças que trabalhavam na lanchonete, e um ou outro estudante atrasado (além dos vagabundos que, como eu, recusavam-se a ir para suas salas de aula). Duas garotas, com camisetas do curso de Design, sentaram-se no banco ao lado do meu. Desejei expulsá-las a pontapés, mas acabei me dando conta de que fofocavam sobre uma festa que havia ocorrido no fim de semana passado – na qual havia pessoas que eu conhecia. Me interessei nas possibilidades e me concentrei no que falavam.
     
Lá pelas 17h30 elas se cansaram de falar, e resolveram sair dali. Após tantas informações novas – apesar de muito irrelevantes – resolvi me levantar e tomar um copo d’água. Quando voltei pra me sentar, havia uma pessoa sentada no meu banco. No meu banco. Eu até aceitaria dividi-lo, dependendo das circunstâncias, mas seu traseiro repousava exatamente no mesmo lugar no qual eu antes confortavelmente estava. E ele sabia disso. Ainda que tentasse disfarçar, era evidente que em tudo havia um propósito. 
     
Éramos íntimos o suficiente para que eu chegasse reclamando daquela usurpação. Uma pequena discussão seguiu-se por cerca de trinta minutos. Lutei pelo lugar que havia conquistado utilizando tantas piadas e criancices quanto pudesse. Quando finalmente desisti  e aceitei dividir o banco, ele costumeiramente se levantou. Disse tchau e se virou para ir embora, mas não sem, antes, voltar-se novamente para mim.
     
- Você é bem estranha, sabe.
      
Então seguiu seu caminho. Mamãe me ligou quase que imediatamente, avisando que estava me esperando no ponto de ônibus mais próximo. Guardei o livro na mochila e segui lentamente até onde estava o carro, ainda que já estivesse atrasada para a aula de alemão. 
     
     
Acabei não lendo o livro.

10 de outubro de 2012

Guardados, debaixo de sete chaves.



Ah, mundo. Tão vasto, e enorme mundo.
     
Enorme mesmo. Muitos milhões de quilômetros quadrados. Muitos bilhões de pessoas. Milhares de cidades. Centenas de países. Tantas vidas, corridas, sofridas, vivem e morrem todos os dias. Todos os dias.
     
Eu vivo em uma cidade. Moro com minha família. Tenho amigos do colégio, que agora vejo ocasionalmente, e amigos na faculdade, que vejo todos os dias (e nas madrugadas também, às vezes). Sempre nos encontramos, nos abraçamos, nos irritamos, damos tapas, e brincamos de levar a vida a sério enquanto tomamos um açaí com leite ninho, perto do bloco da Música. E tem também os amigos da igreja, os da escola de inglês, e todos aqueles que a gente acaba conhecendo pelas quebradas da vida.
      
E mesmo com esse tanto de gente ao meu redor, dentro desse meu comprometimento de tornar amigos em irmãos, eu ainda consigo arranjar mais gente pra cuidar e amar.
     
Só que longe de mim.
     
Essas pessoas que a gente conhece sem querer, nos comentários de um blog, ou num grupo no Facebook. Pessoas interessantes (que compartilham dos nossos interesses mais bizarros), a princípio seres aleatórios, mas que vão entrando na nossa vida, na nossa rotina, até que percebemos que já se tornaram como companhias congênitas, daquelas que você quer levar pra vida inteira. Daqueles com quem você quer sair pra falar sobre besteiras, sentado num balanço do departamento de Física, fazendo barulho com o canudinho do refrigerante.
     
Mas eles não estão aqui. 
     
A gente se fala todos os dias, mas quando eles choram, não dá pra abraçar um computador e esperar que ela fique bem. E dar tapas no mouse não é efetivo como forma de expressar nossa indignação quando fazem besteira. Damos risadas, mas às vezes gostaria de escutar como elas soam juntas, sem o som metalizado de um fone de ouvido. Videoconferências não bastam quando ganhamos um brinquedo novo, ou estamos chorando copiosamente. 
     
Nosso calor, tão mais quente quanto o humano, é apenas virtual.
      
Quem sabe quando poderemos nos encontrar?...
    
... 
    
Hoje, mais tarde. Amanhã. Semana que vem. Ano que vem.
    
Nunca? 
   
...
    
...
    
O nunca nunca mudaria.
      
Na falta do calor dos seus abraços, o calor de seu amor e sua amizade aquece meu coração.
       
Posso me virar enquanto nos vemos só nos sonhos.

2 de outubro de 2012

Ícaro

Ícaro foi meu primeiro grande amigo.
     
Éramos como dois filhotes de jumento, sonhando em ter asas para fugir de Creta. 
     
Fomos solitários juntos por muito tempo.
     
Solitários porque chatos. Chatos porque solitários.
      
Desentendíamo-nos da forma mais amigável possível. Entendíamo-nos da forma mais mal educada possível.
      
Passamos pelas fases mais difíceis lado a lado. Acabamos nos acostumando com nossas chatices e frescuras. Como irmãos de alma. A cada ano, refletíamos sobre o passado como se mês passado fosse muito tempo atrás. 
     
Hoje, quase sete anos depois, parece que ontem mesmo nos conhecemos.
      
Aparecia lá em casa às vezes sem avisar. Mamãe já esperava sua presença. Comia muito. Perdia peso com o tempo. E cresceu, como cresceu. Ficou tão alto.
        
Fizemos nossas asas usando penas de aves imaginárias, coladas com fé e esperança. Deixamo-las escondidas numa sala cordiforme, sem portas ou janelas, que só o futuro poderia abrir.
       
Também tivemos nossos tempos de rompimento. Coisas demais sempre eram ditas, mas às vezes elas doíam demais. Foram dias de desespero, esses em que nos tratamos como estranhos.
     
Porém, foram bons dias de desespero. Bons porque, um dia, acabaram. Terminamos a primeira fase com uma vida de sobra.
      
Hoje, Ícaro já cresceu o bastante para usar as asas que fizemos. Realmente podíamos ser pássaros, afinal. 
     
Alçou voo alguns dias atrás. 
       
    
E, se um dia o calor da vida mirrar a cola que segura suas penas, eu estarei lá para que o mar não o engula.