Ninguém me conhece de verdade.
A vida segue em frente e sempre me deixa pra trás. Preciso correr
pra que consiga acompanha-la. Cada novo erro traz consigo o peso dos erros
anteriores, e tudo cai sobre meus ombros como um grande caminhão de batatas que
se abre sobre mim.
Ninguém me conhece de verdade.
Contra todas as expectativas minhas, de meus pais e de
profissionais, eu tenho amigos. Sem esforço, sem dramas. E, mesmo assim, a
solidão está sempre à espreita, enganando meu coração e convencendo-me de que
estarei sozinha para sempre.
Ninguém me conhece de verdade.
É difícil fazer-se entendida quando tudo parece vazio, tudo
parece distração, tudo parece vaidade, e as pessoas não se importem o bastante
para que lhe escutem, reclamando às repetidas, e lhe respondam às repetidas. Metalinguagens
e inversões sintáticas não escondem a corrente que lhe prende em um ciclo de
mesmos erros que lhe aprisionam a alma.
Ninguém me conhece de verdade.
Quem poderia me conhecer por baixo de todas as máscaras? Pessoa
alguma poderia ousar dizer que nos conhece sob o suor de nosso rosto. As camadas
da existência estão sempre sobrepostas e deformadas, como se a vida não
passasse de uma obra cubista. Tomo minhas licenças poéticas porque elas também
são máscaras para mim.
Ninguém te conhece de verdade.
Minha Vida é meu clichê particular. Todas as cenas de um
musical trágico. Uma vida que anseia ser escrita, que se manifesta como
urgência literária constante. Há sempre algo a ser escrito, a ser dito. Não devo
estar dizendo alguma coisa. Devo estar dizendo demais e carecendo hoje de novas
explicações as má-explicações do dia anterior.
E, por mais que eu escreva todas essas vezes em que a
obsessão e o desespero batam, e os dedos
comecem a tecer no ar aquilo que eu
tenha a dizer, ninguém me conhecerá de verdade.
Ninguém me conhece de verdade, mas eu me exponho como se
fosse uma ostra sem pérola, em busca de alcançar algum valor perante uma
sociedade ostraica que quebraria minha concha. E quebra, todos os dias. Não a concha que me liberta, mas a
que me protege e que permite que, agarrada à um fio de sanidade, eu consiga
dormir à noite.