Eu sempre vi o Sol nascer. Desde pequena, mamãe gostava de
madrugar, e eu a acompanhava. Também sempre vi as estrelas em seu momento mais
brilhante – na madrugada mais densa, das luzes mais apagadas. O escritório de
papai sempre foi em casa, e eu sempre o acompanhava em suas muitas madrugadas
de trabalho.
O começo da manhã é sempre mais solitário. Poucas pessoas acordadas,
a maioria fazendo café, desligando despertadores, sob as cobertas. Trabalhadores
nos ônibus, o Sol surgindo no cantinho da minha janela. Minha irmã dormindo,
quase desmaiada. Mamãe vindo até mim “Já está acordada, pirulita?”. Sempre os
melhores programas de tevê.
A madrugada é silenciosa, calma. Mais deprimente. Só os sons
do mouse. Eu desenhava o tempo inteiro. Bons tempos de pixel art. Papai escutava
blues e Sérgio Lopes. Às vezes me mostrava algo que estava fazendo, ou entrava
no The Die Line e me convidava pra fazer uma pausa. Eu permanecia ali até que
mamãe acordasse e me mandasse ir pra cama. Às vezes eu ia, às vezes não.
Os tempos passaram e a escola se intensificou. Dormir
tornou-se imprescindível. Fiquei por muitos anos vivendo uma vida de horários
medíocres, sofrendo com alguma insônia por bastante tempo. Vivia das 5h até as
23h. 22h era incrivelmente tarde. Isso, claro, até que entrei na faculdade.
Eu posso ser exagerada, mas existe algo de muito bonito,
apesar de deprimente, em ficar tantas noites acordada, seja em casa ou na
universidade. As madrugadas e o mais primitivo das manhãs são próprias de quem
as presencia, em silêncio ou fazendo muito barulho. Eu soube que algo realmente
havia mudado quando 23h tornou-se cedo. Significava que eu ainda tinha toda a
madrugada pela frente até que meu prazo de serviço se encerrasse.
Parei de ser acompanhante das madrugadas, tornei-me dona
delas. Tornei-me dona da cadeira em que me sento, e de onde assisto o Sol se
pôr e, várias horas depois, na mesma posição, seu ressurgimento. Minha sobrevivência
momentânea passou a depender disso. Prazos, datas, entregas, trabalhos,
maquetes, seminários, projetos, e a madrugada como a excelência do processo. Meu
melhor momento. Já passou da meia noite e ainda parecem oito. Da manhã ou da
noite. Sempre parece bom e certo viver meio nas sombras. Fazer acontecer quando
as pessoas estão dormindo.
Essa semana, vi três vezes o Sol nascer de uma janela que
não pertencia nem a mim, nem a nenhuma das outras pessoas que estavam comigo. Minha
mesa estava bagunçada, meus olhos, inchados, e meus dedos doíam do desenho. Desliguei
uma das dezenas de músicas que havia escutado em todas aquelas horas e observei
tudo que estava ao meu redor. Mais um amanhecer. Mais um dia da minha vida. Não
sua, não nossa, não deles. Minha.
Mesmo que mamãe ainda vá me buscar às 7h, na universidade. Mesmo
que ela faça um lanche para que eu leve. Mesmo que, quando eu vá pra casa,
encontre-a, e papai, ainda trabalhando pra que paguem minhas contas também. Estou
construindo minha história, num lugar que é só meu. Com um povo que é só meu, e
ideias que são só minhas, e motivos que são só meus; estou construindo minha
história, um amanhecer por vez.
Parabéns Luisa, teus textos são incríveis. :)
ResponderExcluirMuitoo bom!
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