Mal havia passado das sete, mas eu já estava deitada. O
corpo doía, a cabeça zunia, e a voz saía rouca. Meu nariz jazia entupido, e eu
fungava constantemente. Fora um dia difícil, repleto de espirros que me
incomodaram a rotina completamente, impedindo até mesmo uma decente refeição,
justificando a grande fome que sentia. E era o conjunto destas cansativas
circunstâncias que me colocavam na cama, sob as cobertas, tão cedo.
O que relato a seguir, não sei dizer se realmente vivi.
Talvez não tenha sido nada mais que um delírio, consequência do cansaço.
Apenas me recordo de, entre um espirro e um lenço de
algodão, com os olhos fechados, sentir, sem razão aparente, formigamento
através do corpo. Como se uma força me descolasse de minha alma. Enquanto
movia-me ferozmente, em tentativas inúteis de aplacar o incômodo, sentia o
cobertor, encostado em minha pele, a me engolir. Minha cabeça perdia o apoio do
travesseiro e minha mente rodava, zonza. Os músculos de meu corpo travaram,
buscando um alívio, mas a sensação de que era amassada como um chiclete pela
gravidade apenas aumentava, e era como se alguém martelasse meu crânio
repetidas vezes. Puxava o ar inutilmente através de narinas constipadas e garganta
fechada. Nos ouvidos, um terrível zunido, como se a pressão fosse explodir-me o
cérebro a qualquer momento.
Uma corrente elétrica passava por meus vasos sanguíneos,
causando-me arrepios horrorosos. No entanto, após muitos minutos de sofrimento,
finalmente sentia-me ligeiramente estabilizada. Percebia-me encolhida, meu
corpo ainda encontrava-se em choque. Temia descobrir o que havia ocorrido –
talvez o mundo houvesse acabado. Algo que, entre os pesares, teria suas vantagens;
acabar-se-ia o Sofrimento e as alergias que perseguiam-me diariamente. Porém, a
julgar pela inquietação em meu coração, com certeza o mundo – algum mundo – continuava a existir, e
existia ao meu redor.
Uma fagulha de grande
claridade irritou-me na escuridão dos olhos cerrados. Um cheiro de amônia
ardia-me as narinas, e a pele coçava mais que o suportável. A tentação da
coceira me fazia estremecer, mas não ousava qualquer movimento. Sentia a
superfície na qual eu me apoiava tremer como um terremoto, mas um terremoto
muito leve e gentil. Escutava vozes finas, milhares delas, como o cantar de
muitos passarinhos em revoada livre.
No entanto, o Medo permanecia em meu coração. Não havia ali,
para mim, segurança. E eu teria permanecido imóvel e assustada por ainda muito
tempo, não houvesse algo me cutucado as costas. Um choque percorreu-me o corpo,
e esbocei uma terrível careta de susto, abrindo de supetão os olhos. A luz me
cegou por um momento, até que, acostumada, enxerguei algo que deixou-me deveras
assustada. Um enorme animal, apoiado em duas patas curtas e gordas, com outros
três pares inclinados sobre mim, como se prestes a atacar-me. O corpo
gigantesco contrastava com a cabecinha, que por sua vez era engolida por dentes
enormes. A voz com que se dirigiu a mim, porém, era fina como garoa.
- Com licença, você está no meu caminho.
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