12 de setembro de 2013

Conversa com um ácaro (parte 1)



     Mal havia passado das sete, mas eu já estava deitada. O corpo doía, a cabeça zunia, e a voz saía rouca. Meu nariz jazia entupido, e eu fungava constantemente. Fora um dia difícil, repleto de espirros que me incomodaram a rotina completamente, impedindo até mesmo uma decente refeição, justificando a grande fome que sentia. E era o conjunto destas cansativas circunstâncias que me colocavam na cama, sob as cobertas, tão cedo.
     
     O que relato a seguir, não sei dizer se realmente vivi. Talvez não tenha sido nada mais que um delírio, consequência do cansaço. 
     
     Apenas me recordo de, entre um espirro e um lenço de algodão, com os olhos fechados, sentir, sem razão aparente, formigamento através do corpo. Como se uma força me descolasse de minha alma. Enquanto movia-me ferozmente, em tentativas inúteis de aplacar o incômodo, sentia o cobertor, encostado em minha pele, a me engolir. Minha cabeça perdia o apoio do travesseiro e minha mente rodava, zonza. Os músculos de meu corpo travaram, buscando um alívio, mas a sensação de que era amassada como um chiclete pela gravidade apenas aumentava, e era como se alguém martelasse meu crânio repetidas vezes. Puxava o ar inutilmente através de narinas constipadas e garganta fechada. Nos ouvidos, um terrível zunido, como se a pressão fosse explodir-me o cérebro a qualquer momento.
     
     Uma corrente elétrica passava por meus vasos sanguíneos, causando-me arrepios horrorosos. No entanto, após muitos minutos de sofrimento, finalmente sentia-me ligeiramente estabilizada. Percebia-me encolhida, meu corpo ainda encontrava-se em choque. Temia descobrir o que havia ocorrido – talvez o mundo houvesse acabado. Algo que, entre os pesares, teria suas vantagens; acabar-se-ia o Sofrimento e as alergias que perseguiam-me diariamente. Porém, a julgar pela inquietação em meu coração, com certeza o mundo – algum mundo – continuava a existir, e existia ao meu redor.
     
     Uma fagulha de grande claridade irritou-me na escuridão dos olhos cerrados. Um cheiro de amônia ardia-me as narinas, e a pele coçava mais que o suportável. A tentação da coceira me fazia estremecer, mas não ousava qualquer movimento. Sentia a superfície na qual eu me apoiava tremer como um terremoto, mas um terremoto muito leve e gentil. Escutava vozes finas, milhares delas, como o cantar de muitos passarinhos em revoada livre.
     
     No entanto, o Medo permanecia em meu coração. Não havia ali, para mim, segurança. E eu teria permanecido imóvel e assustada por ainda muito tempo, não houvesse algo me cutucado as costas. Um choque percorreu-me o corpo, e esbocei uma terrível careta de susto, abrindo de supetão os olhos. A luz me cegou por um momento, até que, acostumada, enxerguei algo que deixou-me deveras assustada. Um enorme animal, apoiado em duas patas curtas e gordas, com outros três pares inclinados sobre mim, como se prestes a atacar-me. O corpo gigantesco contrastava com a cabecinha, que por sua vez era engolida por dentes enormes. A voz com que se dirigiu a mim, porém, era fina como garoa.
     
     - Com licença, você está no meu caminho.
         
    

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