"Você me entregou um coração de papel.
Era um pequeno origami, feito a partir de uma
folha de caderno pintada a lápis de cor vermelho. Alguns vincos se destacavam
nas suas superfícies, como se as dobraduras houvessem sido erroneamente feitas
várias vezes, antes que a forma final fosse alcançada. Chegou num dia
qualquer, pelo correio, em uma caixa amarela comum. Nenhum bilhete, nenhuma
plaquinha, nem mesmo o nome seu escrito em grafite acinzentado em uma das faces mal coloridas. Mas eu sabia a quem pertencia. Sabia que era seu. Tinha aquele seu cheiro que eu
nunca havia sentido.
Por muito tempo eu pensei que ele fosse uma piada, ou até mesmo
alguma forma de me mandar uma mensagem subliminar. Talvez você não me amasse
tanto assim, ou tivesse medo de entregar-se por completo. Talvez você houvesse
produzido várias cópias desse coração, para distribui-lo entre as muitas
pessoas inocentes que passassem pela sua vida, e não lhe conquistassem a
cordialidade mais profunda.
Era engraçado carrega-lo por aí. Enquanto usei-o pendurado
na minha mochila, exibindo-o a todos, escutei as mais diversas teorias e
opiniões. Você bem entende como eu não realmente sabia o que significava, pra
você, o tal do coração de papel, mas era tudo que eu podia ter vindo da vossa
pessoa. Protegia-o quando muito chovia, e a água ameaçava sua integridade, e o
tomava nas mãos quando o espaço era muito apertado para que sua forma não se
desmontasse. Guardava-o numa caixinha sobre minha mesa de estudos quando não
estava fora. Gostava de mantê-lo sempre perto de mim. Mesmo que fosse tão
frágil, de papel.
Só entendi que era real quando você o pediu de volta.
As circunstâncias já me indicavam que as coisas entre nós não eram mais as mesmas, mas nunca pensei que teria que lhe entregar aquele coração.
Era tão feio, mal feito... Tão meu. Tão meu havia se tornado, que quase amava
mais àquele amontoado de dobraduras do que a ti. Não sei se você ainda se
lembra, mas quando foi à minha casa, coloquei-o em suas mãos dentro da caixinha
de vidro. Tinha medo que você o estragasse.
Mal sabia eu que eu o estragava, a cada dia.
Toda a sua fragilidade, sua simplicidade, sua delicadeza e
suas peculiaridades se refletiam naquele papel mal colorido. Era parte de ti.
Eu o isolei de sua fonte de vida, e não percebi que seu brilho se apagava, sua
força morria, seu pulsar desaparecia. Sua essência morria. Ambos morriam.
Quando virou as costas para mim, lágrimas pesadas rolaram
pelo meu rosto. Tanto tempo tentando cuidar de um coração de papel, que eu
julgava ser uma piada tua. Que fosse ser pra sempre meu.
Sempre sentirei falta do coração.
Sempre sentirei sua falta."