25 de setembro de 2012

Coração de Papel.



"Você me entregou um coração de papel.
        
Era um pequeno origami, feito a partir de uma folha de caderno pintada a lápis de cor vermelho. Alguns vincos se destacavam nas suas superfícies, como se as dobraduras houvessem sido erroneamente feitas várias vezes, antes que a forma final fosse alcançada. Chegou num dia qualquer, pelo correio, em uma caixa amarela comum. Nenhum bilhete, nenhuma plaquinha, nem mesmo o nome seu escrito em grafite acinzentado em uma das faces mal coloridas. Mas eu sabia a quem pertencia. Sabia que era seu. Tinha aquele seu cheiro que eu nunca havia sentido.
        
Por muito tempo eu pensei que ele fosse uma piada, ou até mesmo alguma forma de me mandar uma mensagem subliminar. Talvez você não me amasse tanto assim, ou tivesse medo de entregar-se por completo. Talvez você houvesse produzido várias cópias desse coração, para distribui-lo entre as muitas pessoas inocentes que passassem pela sua vida, e não lhe conquistassem a cordialidade mais profunda. 
       
Era engraçado carrega-lo por aí. Enquanto usei-o pendurado na minha mochila, exibindo-o a todos, escutei as mais diversas teorias e opiniões. Você bem entende como eu não realmente sabia o que significava, pra você, o tal do coração de papel, mas era tudo que eu podia ter vindo da vossa pessoa. Protegia-o quando muito chovia, e a água ameaçava sua integridade, e o tomava nas mãos quando o espaço era muito apertado para que sua forma não se desmontasse. Guardava-o numa caixinha sobre minha mesa de estudos quando não estava fora. Gostava de mantê-lo sempre perto de mim. Mesmo que fosse tão frágil, de papel.
       
Só entendi que era real quando você o pediu de volta.
       
As circunstâncias já me indicavam que as coisas entre nós não eram mais as mesmas, mas nunca pensei que teria que lhe entregar aquele coração. Era tão feio, mal feito... Tão meu. Tão meu havia se tornado, que quase amava mais àquele amontoado de dobraduras do que a ti. Não sei se você ainda se lembra, mas quando foi à minha casa, coloquei-o em suas mãos dentro da caixinha de vidro. Tinha medo que você o estragasse.
      
Mal sabia eu que eu o estragava, a cada dia.
       
Toda a sua fragilidade, sua simplicidade, sua delicadeza e suas peculiaridades se refletiam naquele papel mal colorido. Era parte de ti. Eu o isolei de sua fonte de vida, e não percebi que seu brilho se apagava, sua força morria, seu pulsar desaparecia. Sua essência morria. Ambos morriam.
       
Quando virou as costas para mim, lágrimas pesadas rolaram pelo meu rosto. Tanto tempo tentando cuidar de um coração de papel, que eu julgava ser uma piada tua. Que fosse ser pra sempre meu.
       
Sempre sentirei falta do coração.
             
        
Sempre sentirei sua falta."

20 de setembro de 2012

O Frio, a Chuva e eu.



Rain falls

Acordei mais cedo que queria. Meus olhos estavam pesados e meu corpo doía. Sentia que várias horas do meu sono me haviam sido roubadas. No entanto, bastou um suspiro fundo para perceber que, após tantos dias mergulhados em um calor infernal, chovia, e ventos frios sopravam.
     
Nem mesmo calcei sapatos. Levantei-me da forma que estava, pisando no chão frio, com meu pijama de dias quentes, e abri a janela da sala. Algumas gotas de água gelada pingaram no meu rosto, antes que eu fechasse o vidro e me apoiasse na parede. Fiquei observando a chuva caindo por bastante tempo. Vez ou outra bocejava, pois o sono insistia em me assombrar, e em alguns momentos eu parecia me desligar da realidade por poucos segundos, como se o cansaço me cobrasse a noite mal dormida a prestações. 
      
Apesar de tudo, não planejava ser vencida pelo esgotamento. Estava frio, e assim meu coração se aquecia.
      
Nunca fez muito sentido que, quando as temperaturas da cidade baixavam, meu ser acordasse e desabrochasse. No entanto, a sensação de ser abraçada pelo mundo independia de razão. Era como se a vida me tomasse nos braços e cuidasse das minhas feridas de guerra, usando a chuva para lavá-las do sangue e da terra. Era uma purificação.
      
Sentia como se pudesse finalmente chorar todas as lágrimas que o calor havia feito evaporar do meu coração. Estava angustiada, então as coloquei pra fora e era como se o peso do suor fosse retirado de mim. Minha postura, tão recurvada, foi se endireitando lentamente, até que eu consegui dar um sorriso mui sincero, como não havia conseguido sorrir nas últimas semanas.
      
Observei o cair da chuva por ainda algum tempo, refletindo sobre esse ciclo da minha existência que estava se reiniciando. De frio em frio, de chuva em chuva, seria sempre assim.
      
Voltei para a cama e deitei para dormir em paz, com o tintilar das gotas d’água na janela e no asfalto antes tão quente me embalando. O vento gelado que passava pelas frestas da janela do meu quarto fechou meus olhos.

[Não vá embora, frio ♥]

19 de setembro de 2012

Peggy, Maggie, Margareth.



Margareth. 
     
Margareth era Margareth.
     
Tinha nome, mas não o queria por completo. Tinha jeito de quem esconde alguma coisa, mas até esse jeito ela escondia dos outros. Mesmo depois de tantos anos, eu ainda sentia que faltava muito para conhecê-la realmente. Uma metamorfose ambulante de verdade. Raul a adoraria.
     
Vamos chamá-la aqui de Peggy. Que é como ela realmente gosta.
    
Peggy.
    
Pois bem, Peggy era Peggy.
     
Nossa amizade era difícil. Bonita, mas difícil. Unida, consolidada, mas ainda assim. Éramos diferentes demais. Muitas vezes, muito parecidas. E, mesmo dessa forma, bagunçada e incerta de sermos próximas, seguíamos nos aproximando ainda mais. Após tantos anos, ela foi o mais próximo que eu havia chegado daquela amizade idealizada de infância.
     
Foi a irmã seis meses mais velha que eu jamais teria. Foram mais broncas que recebi do que palavras amigas, em várias ocasiões – mas isso só comprovava nossa força. Sonhávamos e desejávamos coisas parecidas. Vez ou outra, as mesmas. Ou ainda, os opostos completos. Sempre seria engraçado argumentar sobre o que era melhor, ou falar de memórias nostálgicas das diversões que compartilhamos em anos passados.
     
“Peggy”, eu costumava dizer, “Vamos nos casar juntas.”. “Não, não vamos”, ela respondia. “Vou me casar muito tarde pra isso”.
     
Era sempre assim, meu coração partido, porém otimista, e seu coração partido, porém realista.
      
Houve também aquele dia, em que eu chorei. E todos aqueles outros também. Peggy tinha medo da vida real em tantos momentos, mas nos mais reais ela se abria e deixava minha tristeza entrar, pra que me deixasse em paz por um momentinho. Devolvia pra mim uma infelicidade menor. Nunca soube certamente se ela diminuía devido ao seu coração bondoso, ou se apenas roubava alguns pedaços para si.
      
Imaginávamo-nos idosas, sentadas em cadeiras de balanço, falando da vida e das coisas que conquistamos, escutando músicas antiquíssimas que nos fariam lembrar a juventude. Rugas profundas nas expressões, bochechas flácidas por tanto rir, dedos calejados por tanto digitar nossas risadas e nossa vida entre as linhas de um conto ou poema.
      
A Literatura nos salvaria das dificuldades. E nós salvaríamos uma a outra da solidão.

[Feliz Aniversário, Peggy <3 Digo, Paula <33]

13 de setembro de 2012

Empatia - Desiludido Iludido.



Meu lado racional se manifesta como um homem de 30 anos, que vive assumindo vários papeis, por pura diversão. Hoje: Desiludido Iludido.

"Eu nunca havia acreditado plenamente na infelicidade. Sempre pensei que era nada mais do que uma percepção distorcida de uma realidade menos brilhante do que nossas vãs esperanças pediam. No entanto, não é necessário muito mais do que alguns anos pra que essas ideias de um mundo mágico e bonito desapareçam. Quanto mais se cresce, mais se vê do mundo, e menos se gosta nele.
     
Eu gostaria de ter sido a exceção. Na verdade, até bem pouco tempo, eu acreditava ser a exceção. Mas era óbvio que isso não duraria além dos 20 anos. Esse é o prazo de validade da maioria das ilusões infantis. Depois disso, infantilidades não passam de tentativas inúteis de recuperar aquela sensação gostosa e colorida de acreditar que vivemos numa terra de gente boa, que basta procurar por elas, que ainda são a maioria nesse mundo. Dulcíssima ilusão.
     
Gente boa não existe. Naturalmente, naturalizada, gente que se desfaz em bondade, alegria e contentamento, não existe. Existe gente esforçada, gente bem treinada, gente interessada, gente querendo gostar do mundo e das pessoas. Gente muito esforçada em agir com bondade. Não me venham com teorias filosóficas pra tentar provar que estou errado. É assim e ponto. Já sou velho o suficiente para não me apegar mais à essas discussões vãs, que só geram discórdia.  Discórdia não é algo que me interesse. Estou cansado, cansado. Cansado.
     
E nem mesmo essas pessoas esforçadas em ser boas podem ousar ser chamadas “feitas boas”. Porque aquele maldito ímpeto de matar alguém que te olha e te responde mal está lá ainda, só que controlado. Dr. Banner poderia colocar o Hulk em coma, que ele não deixaria de ser Hulk. Dormir não quer dizer matar. E nem mesmo matar pode significar morte. Principalmente em relação aos sentimentos e às ideias. Sempre tem algum filho de mãe pra reunir as esferar do dragão e ressuscitar tudo aquilo que deveria ter sumido. 
     
Vocês todos sabem muito bem do que estou falando. Já até se lembraram de situações em que tudo isso fez sentido nas as vidas ridiculamente maldosas e hipócritas.
     
Vamos parar com a tal da hipocrisia. Não há pessoas boas.
     
Existe apenas o coração. Apenas o coração."

8 de setembro de 2012

Pequena Lucy



Pequena Lucy, pequena Lucy;
          
Já passou das onze horas,
E o teu olhar não descansou.
     
Já passou da meia noite,
E o teu canto se cessou.
     
Já passou da uma hora,
E o teu peito não parou.
     
Já passou das duas horas,
E o vento não soprou.
     
Já passou das três horas,
E o teu coração voou.
      
Já passou das quatro horas,
E o teu sorriso se apagou.
     
Já passou das cinco horas,
E o teu choro não cessou.
      
Já é quase amanhecer.
     
O teu sono não chegou.
       
E a vida não parou.