Seguiram-se momentos pandemônicos. Alguns gritavam
por seus nomes. Komatsu colocou as mãos sobre o rosto, e suspirava de forma tão
alta que parecia uma máquina. Ana queria sair correndo procurando pelos dois, mas
tropeçou em uma pedra e caiu em cima de Marcelo. No clima tenso, começaram a
discutir energicamente. Ele gritava, ela gesticulava e mexia a boca de forma
nervosa. Sendo de alturas parecidas, tentavam se impor um sobre o outro. Não soubemos
se deveríamos ou não interferir até que Ana fez menção a pegar uma pedra que
havia no chão, e usá-la para substituir os chinelos que costumava usar para
atacar pessoas imbecis. Nasser tentou segurá-la, mas o movimento já havia quase
se finalizado. Por pouco, não atingiu o Marcelo. Bateu em uma árvore e foi
parar sobre um tufo de grama. O tronco, aparentemente oco, fez um som ecoar por
toda a área.
- Isso já está ficando ridículo! Ridículo! – Paulino
estava perdendo a paciência, ainda tão cedo na jornada. – Se eu tivesse meu
arco-e-flecha aqui agora, estariam todos mortos. TODOS VOCÊS.
- Ei, não fui eu quem saí caindo em cima das pessoas! – Marcelo falou de forma gritada, encarando Ana. Gabriel e Komatsu os puxaram e seguraram, impedindo que brigassem.
- Vocês parem todos com essa bagunça! Já deu de
discussão! Nós não vamos encerrar nada disso aqui se não nos organizarmos, e
pararmos com as briguinhas bestas! Já não estamos com problemas demais? Não
vamos sair do lugar nunca assim! – Komatsu ainda segurava Marcelo pelo braço.
Estava com a expressão bastante franzida, e seus olhos puxados pareciam ser
ainda menores.
Ficamos em silêncio mais uma vez. Aquilo era um jogo. Devíamos jogá-lo da forma correta. Nasser estava sentado em uma pedra próxima a mim, lendo o mapa. Observei-o discretamente por trás.
- Luísa, quer olhar o mapa? – Ele se virou de
repente. Meus olhos se esbugalharam ligeiramente.
- Ah, é, não, não, não precisa. Não precisa. Eu só
queria saber das... Das... Sabe, das... Perspectivas. Das perspectivas do
caminho.
- Bom, já que é assim – Virou o mapa pra que eu
pudesse enxerga-lo melhor - Isso é que é estranho. Antes do clarão, o mapa
indicava claramente que deveria haver um descampado em 20 metros, mas – Ele se
levantou, e apontou o caminho – Nem dentro de uns 100 metros encontramos um. –
Estava certo. O corredor de árvores sumia de vista, tão longo.
Tomei o mapa em minhas mãos e tentei entende-lo.
Talvez houvessem interpretado incorretamente as direções, pensei eu. No
entanto, algo parecia estranho. Não conseguia nos identificar ali. De forma
nenhuma.
Uma pedra me atingiu por trás. Virei-me soltando
alguns xingamentos deselegantes, mas era apenas uma forma de Ana me avisar que
tinha algo a dizer. Aproximei-me dela que, usando um graveto, havia escrito
numa pequena área arenosa do solo “Não estamos no mesmo lugar”.
- “Não estamos no mesmo lugar”???? – Falei em voz
bem alta. Todos se viraram para nós. Ela confirmou com a cabeça.
- Claro que estamos no mesmo lugar. Como poderíamos ter
saído da floresta? – Gabriel parecia confuso. – Olhe ao nosso redor, estamos em
uma floresta! O que poderia ter acontecido? Uma eversão?
- Isso mesmo. – Johnny surgiu em meio às árvores, e
nos deu um baita susto. Segurava um livro nas mãos. – Ocorreu uma eversão de
cenário. Estamos na mesma floresta ainda, mas em um patamar diferente.
- E como você sabe disso? - Marcelo permanecia
preguiçosamente sentado sobre uma pedra.
- Peguei esse livro na biblioteca do Burgo há uns
anos. – Ergueu-o, mostrando a capa. “Bosques do Oés-Sudoeste – A Terra dos
Magos” – Por algum motivo, veio comigo. Reconheci alguns cenários descritos aqui,
e resolvi procurar por algo de útil. Há um capítulo inteiro sobre magos como o
Damian. São descritos como “Lagostas mágicas”. As garras são grandes e
aparentes, e você sabe que vão te fazer mal. Mas insiste em acha-los inofensivos. – Todos trocaram olhares.
Desconhecendo a história da chegada de Damian à taverna, não desviei o olhar.
- Então esses são os Bosques do Oés-Sudoeste? –
Marcelo continuava indagando Johnny.
- Não, Marcelo, não exatamente. Estamos na área
mágica particular do Afetadíssimo. Fica localizada... Dentro da magia dele. E é
de uma energia altamente poderosa. Nem mesmo o poder do Mestre dos Magos consegue
alcança-la. – Correu os olhos rapidamente pela área, depois voltou-se para
Marcelo. – Se eu fosse você, não se sentaria sobre as pedras. Nenhuma delas.
Àquela altura, quase todos haviam se sentado sobre
pedras. Levantaram-se imediatamente. A pedra sobre onde Paulino estava
desapareceu.
- O quê exatamente acabou de acontecer? – Seus olhos
estavam arregalados, e seu corpo estava tenso. Estávamos todos confusos.
- As pedras são os portais. Até mesmo as menores. Um
dos dois, Willians ou Ariane, deve ter pisado em alguma. Agora, alguma coisa
aconteceu para que nós passássemos para o próximo cenário também, e para que
houvesse uma separação. Ainda não consegui descobrir.
Observando melhor, as mudanças na floresta eram notáveis.
As árvores eram mais altas e de copas menos fartas. O céu era mais escuro, e o
tempo parecia mais nublado. Até os sons dos pássaros soavam mais assustadores e
macabros. Ana pegou em uma das minhas mãos, segurando-a fortemente. Antes que
eu percebesse, Gabriel segurava a outra.
- E onde conseguimos um mapa desse novo cenário? Não
dá pra atravessar sem isso. – Komatsu estava ao lado de Johnny, inspecionando o
livro.
- Aí é que está. O mapa de cada cenário é protegido
pelo Guardião da Floresta.
- Guardião? Tipo os outros guardiões, grande e
malvado? Era só isso que nos faltava! – Gabriel apertou ainda mais minha mão.
- O livro diz que ele se chama “Massacote”, e que
sua maior característica é aparecer quando não é convidado. Diz também que essa
é a chave para encontra-lo. – Enquanto Johnny falava, Nasser quebrava galhos de
algumas árvores mais baixas. – Eu sinceramente não sei o que isso significa.
- Talvez seja algo relacionado à não estarmos
pensando nele. Temos que ignorá-lo, talvez? – Marcelo procurava alguma árvore
que não tivesse espinhos, em cuja superfície ele pudesse recostar.
- Duvido. Damian não colocaria um desafio tão
complexo assim bem no início do jogo. Ele quer nos ver atingir os níveis mais
profundos que conseguirmos. Faz parte de sua personalidade doentia. – Um
relâmpago inesperado surgiu. – DOENTIO! – Johnny gritou para os céus. Choveu
abundantemente por uns oito segundos.
- Johnny,
mais alguma coisa de útil desse livro? – Tentávamos nos secar, ensopados como
estávamos. Sentia meu nariz coçar.
- Muita, muita coisa. Pode ser nossa salvação. – Ele
falava enquanto apertava os cabelos, tirando o excesso de água. – Na verdade,
acho que poderíamos atrasar mais um pouco nossa caminhada, para que eu possa
falar de outras coisas. – Pausou e olhou para os céus. Escureciam rapidamente.
- Bom, se realmente vamos começar a levar isso a
sério, e jogar no modo hard – Nasser se aproximava, pingando, carregando
madeira. Tropeçou em uma pedra. Conseguiu equilibrar-se, mas estávamos todos
observamos a situação de forma tensa. Ela se movimentou levemente, até encostar-se
a uma outra pedra próxima. Ambas desapareceram.
Um minuto de silêncio.
- Bem... – Nasser mantinha olhos ligeiramente
esbugalhados. – Como eu dizia. – Pigarreou. – Precisamos de alguns instrumentos
de sobrevivência. Podemos usar essa madeira como cajados, para espantar as
pedras, ou armas letais, pra perfurar e matar os inimigos. Cada um escolhe a
melhor maneira. – Jogou tudo no chão. Fomos nos aproximando da pilha.
- Galera, eu queria pedir desculpas. – Komatsu começou
a falar de repente. Estava distante, não mexia nos materiais conosco. – Eu devia
ter impedido que Damian entrasse na Taverna. Achei que ele nos faria bem,
afinal, é isso que eu pensei que os magos faziam. Perdi o controle da situação.
E perdi minha força.
A expressão em seu rosto era realmente muito
desanimada e arrependida. Eu ainda me recordava de, no primeiro dia – ainda que
em clima de descontração – jurar lealdade aos nossos Taberneiros. Aproximei-me
dele e coloquei uma das mãos sobre seus ombros, em gesto de apoio.
- Você impõe respeito naturalmente, não precisava
ter o corpo de um viking. – Ele sorriu em retribuição. – Na verdade, era mais
complicado te respeitar. Era quase cômico. – Nasser soltou uma gargalhada. – Todo
mundo te perdoa. – Virei-me para o grupo, e todos balançaram suas cabeças, em
confirmação. – Vamos lá, temos uma taverna pra salvar.
Todos demonstraram apoio à causa, e disseram algumas
palavras ao Taberneiro. Por um momento, tudo ficou em paz. Usávamos algum cipó
para improvisar espadas com a madeira, e fazíamos o som de sabres de luz
enquanto “treinávamos” nossas habilidades. Quando se tornou noite completa,
Johnny usou seu isqueiro e papel que arrancara das beiradas não ilustradas do
mapa para acender uma fogueira. Não sentíamos fome, e era difícil de explicar.
Eu e Marcelo simulávamos uma luta quando vi duas
formas se aproximando na escuridão, em meio às árvores, meio cambaleantes.
Soltei um grito. Conforme se aproximavam, a pouca luz mostrava que estavam
vestidos de vermelho. Não sabíamos o que fazer. As espadas estavam empunhadas
(e foi uma cena consideravelmente engraçada, se não trágica, diário).
Estávamos prestes a atacar quando os rostos foram
iluminados e vimos que se tratavam de Jaime e João Pedro.
[To be continued]
CLAP CLAP CLAP
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