31 de outubro de 2016

31 Devocionais #1 - O Centro da Vontade de Deus

   
      Antes que fosse crucificado, Jesus foi levado perante Pôncio Pilatos, governador da Judeia, para que fosse condenado segundo a lei Romana. Os Evangelhos relatam que este o interrogou, buscando encontrar nEle algo que justificasse as acusações levantadas. Para sua grande surpresa, Jesus não busca justificar-se, nem provar sua inocência, como seria esperado de qualquer homem contemplando pena de morte. O diferencial em Jesus era seu senso de identidade e propósito. Ainda que fosse muito doloroso o cálice do qual ia tomar, Ele sabia que o preço a ser pago era pequeno diante da importância de que tudo se cumprisse. Sua Cruz, Sua dor e Seu castigo eram a parte mais importante de seu ministério na Terra.
   
     Assim como Jesus, cada um de nós também foi criado e chamado para cumprir um propósito específico. E, assim como Jesus, fomos chamados para uma vida de sacrifícios. Não é à toa que em Lucas 9:23 Ele diz que quem quiser ir segui-Lo precisa tomar sua própria cruz e negar-se - cumprir o propósito de Deus para a sua vida vai contra sua natureza humana, pecaminosa e egoísta. Para viver plenamente os sonhos de Deus, você precisa também sonhar os sonhos de Deus, e não os sonhos do seu próprio coração. Para estar no centro da vontade de Deus, você precisa se afastar da sua própria vontade.
   
     Em João 19:10-11, quando Pilatos O confronta acerca de seu silêncio diante das acusações, Ele responde que a autoridade para condená-lo não vem do governador, mas de Deus. Quando nós estamos no centro da vontade do Pai, tudo que acontece em nossa vida vem para cooperar para o nosso bem. O melhor bem que Jesus podia receber naquele momento era sua condenação, pois o castigo sobre Ele nos traria vida.
   
     A única forma de fugir da nossa própria estupidez é nos mantendo no centro da vontade de Deus. Este é o lugar onde vivemos intensamente apenas o que Deus tem pra nossa vida. Muitas vezes, o que Deus tem pra nós é dor, perda, e grandes sacrifícios. A boa notícia é que as aflições que Ele traz ainda cooperam juntamente para o nosso bem, e para o bem de outros - Ele enxerga muito adiante do que nós, e o melhor que podemos fazer é crer na soberania do Senhor e ainda nos alegrar nEle. Ainda que os caminhos do propósito do Senhor te levem diante de acusadores ou até uma cruz, mantenha acesa dentro de você a certeza da Glória vindoura. 
     
     
    

11 de junho de 2016

The forgotten photograph.


     Once upon a time in the future, and she can't remember a single thing. Can't remember her wedding day, nor the many trips she did, nor the places she went to. Can't remember her children's birth dates, nor their first days in school, nor the days they left home. But she does remember their faces, can't forget their names. She kept the people, but forgot all the facts.
    
     Nothing is as important as the story it carries within, but hers isn't hers anymore. Everyday, she holds on to whatever others tell her about the adventures of her lifetime, even though not everything seems true or right. She can't guess if she would really climb a mountain, but she can't remember if she was ever scared of heights. Some stories seem so simple she can't believe she could have forgotten them. But that's what she got - she fell asleep, and, one day later, everything was gone.
     
     "Have I so far lived a life worth living?"
    
     With love, every weekend, she would sit down with her husband, children, grandchildren, siblings and friends and examine all of the memories she kept all those years. And they would tell her about prom dresses, first kisses, family trips, parties they went. The photographs were many, the objects as well. Luckily, she has always been a storyteller. All of her children and grandchildren could tell where she had bought each of the snowglobes in her collection. And they would retell her the same one she first told them, so many times, before she forgot everything. They all knew the first drinks she had in every glass and mug she kept, and why some book covers were dirtier than others. She would smile, hearing about a life that was hers, as if it was someone elses's. Maybe tomorrow she would forget that as well.
    
     "Nana", her third older granddaughter, nearly grown-up, asked her, one day, "do you remember the people in this picture?"
    
     It was a small photograph, slightly blurry, but no one there could tell much more about it. "These were good friends of mine, my dear. But I don't know why.". The landscape seemed cold and bucolic, but they were all smiles. Rocks, yellow winter fields, and a grey foggy sky. Anyone smart enough would have guessed they were in the English countryside. "I would guess this is in the English countryside, ma", her smarter daughter spoke, "but, unfortunately, I have reasons to believe all these friends have already passed away. I can recall having been to at least one funeral with you".
     
     She careful and sadly examined the photograph. If they were all gone, as well as her memory, who else could remember that day? Five beautiful happy young people, but no one could tell the reason they smiled. The frozen moment would last forgotten. The whole room remained in silence, for much longer than it was usual in that family.
    
     "Nana", her only great-grandson, almost gone through childhood, that dreamt of being Peter Pan just like she used to, "I can make up a story for your picture, then you can be happy like that again! Could I, please?"
    
     He rapidly sat down next to her. He was quite clever. His mommy told him nana would no longer remember that they would read Peter Pan everytime he would stay at ther place for the weekend. He kept bringing the book with him, though, but he would read her stories about Neverland. And, now, he would read a story in the subtle lines of that picture no one knew a thing about.
    
     "You're all smiling, nana, because you've just eaten magical delicious food that makes you feel really really happy! You and your two friends are sitting down on the rocks because you ran a lot to get there! You would stop by to play with every animal on the way up! Your friends standing would shout at you all the time 'Girls, come quickly, before it's too cold!', but you didn't want just to get on the top, you wanted to have fun! The grass is only half green because winter came just like a wave, that destroyed just little by little, and that's why only half of it has been burnt by the cold! The picture is blurry because even the person who took it was very cold, but forgot to bring gloves! And I'm sure you left home very early, to have the most fun before the Sun was gone! You may not be holding each other, nana, but I know you were holding each other in your hearts, because I think you really loved these friends, nana. I'm sure you loved them a lot, just like I love you."
    
     And she really loved them. That, she could tell. She loved them all - the friends in the photographs, the children, the grandchildren, the great-grandchild, the husband. She couldn't remember a thing, but she knew that, whoever had this much love in life, should have lived an amazing life. On that day, they stayed up later, making up new stories about the photos and objects whose real stories no one could tell.
     
     [This post is part of the 80 Somethings project. Read more about it here.]     
   
"Look at this photograph!"

   
       

Eu não me lembro mais.

     
     Era uma vez no futuro, e ela não se lembra de quase nada. Não se lembra do dia do seu casamento, não se lembra das viagens que fez ou dos lugares em que foi. Não se lembra de quando seus filhos nasceram, nem seus primeiros dias na escola, ou quando se formaram e saíram de casa. Mas se lembra dos seus rostos, não se esquece de seus nomes. Guardou as pessoas, mas me esqueceu de todos os fatos.
    
     Nada em si vale tanto quanto a história que carrega, mas ela não tem mais história sua. Todos os dias, ela se apega àquilo que outros lhe contam sobre as aventuras que viveu, mas algo lhe diz que nem tudo que dizem é verdade. Não consegue adivinhar se escalaria uma montanha, mas também não me lembra se já teve medo de altura. Algumas histórias parecem tão simples que ela se questiona como conseguiu esquecer de coisas tão corriqueiras. Mas foi isso que a vida lhe reservou - dormiu e, no outro dia, acordou, e tudo havia sumido.
    
     "Será que vivi uma vida que valeu a pena ser vivida?"

     Com amor, sentava-se, aos fim de semana, com seu marido, filhos, netos, irmãos, amigos, diante das fotos e lembranças que acumulou ao longo dos anos. E falavam sobre seus vestidos de formatura, o primeiro beijo dos namorados, as viagens que fizeram em família, as festas às quais foram convidados. As fotos eram muitas, os artefatos também. Sorte sua que adorava contar histórias. Seus filhos e netos sabiam todos como ela havia comprado cada um dos globos de neve de sua coleção. E repetiam as histórias da mesma forma que ela as havia contado muitas e muitas vezes, antes que se esquecesse de tudo. Sabiam o que ela havia tomado primeiro em cada caneca e copo que guardou, e por que as capas de alguns livros eram mais amassadas que as de outros. E ela sorria, escutando casos da sua vida como se fosse de outra pessoa. Amanhã ela talvez não se lembrasse disso também.
    
     "Vovó", sua terceira neta mais velha , quase adulta, perguntou, um dia, "você lembra quem são as pessoas nessa foto?"
    
     Era uma foto pequena, meio embaçada, mas ninguém ali naquela sala saberia dizer muita coisa sobre ela. "Eram meus bons amigos, querida. Mas não sei bem o porquê.". A paisagem era fria e bucólica, mas eles sorriam. Pedras, campos amarelados de inverno, e um céu cinza. Uma pessoa esperta imaginaria que eles estavam no interior da Inglaterra. "Acho que é no interior da Inglaterra, mãe", sua filha mais esperta falou, "mas, infelizmente, acho que todos nessa foto já faleceram. Eu me lembro de te acompanhar em pelo menos um funeral."
    
     Ela examinou a foto com cuidado e tristeza. Se todos já haviam ido, e sua memória também, quem mais se lembraria daquele dia? Cinco lindos sorrisos jovens, e não havia quem pudesse contar o que viveu quando as lentes de uma câmera capturaram o momento. Eternizado, porém esquecido. Houve silêncio por muito mais tempo que era habitual naquela família.
    
     "Vovó", seu único bisneto, já um mocinho que costumava sonhar junto com ela em ser o Peter Pan, "Eu posso inventar uma história pra sua foto, e daí você não fica triste mais! Você deixa?"
    
     Ele rapidamente se sentou ao lado dela. O rapazinho era bastante esperto. Sua mamãe lhe explicou que a vovó não iria mais lembrar que eles liam o livro do Peter Pan sempre que ele ia passar um fim de semana com ela. Ele continuou levando o livro todas as noites, mas agora era ele quem lia as histórias da Terra do Nunca. E, agora, leria na foto uma história que ninguém mais se lembrava.
    
     "Vocês estão sorrindo, vovó, porque vocês acabaram de almoçar comidas mágicas e deliciosas que te fazem sorrir muito! Você e suas duas amigas estão sentadas porque vocês correram muito pra chegar ali, porque se distraíam o tempo todo com os bichinhos no caminho! Seus amigos que estão em pé ficavam o tempo todo 'Meninas, venham, antes que fique mais frio!', mas vocês não queriam só subir, vocês queriam se divertir! A grama tá meio verde no fundo porque o inverno veio igual uma onda, que foi destruindo aos pouquinhos, e naquele dia só a outra metade tava amarela e queimada de frio. A foto ficou embaçada por que até a pessoa que tirou estava com muito frio, mas esqueceu as luvas em casa! Aposto que vocês saíram cedo, pra se divertir antes que o Sol fosse embora. E vocês não estão abraçados, vovó, mas eu sei que vocês estavam se abraçando dentro do coração, porque eu acho que você amava muito esses seus amigos, vovó. Amava muito mesmo, igual eu amo você."
    
     Ela os amava muito mesmo. Disso, ela sabia. Amava todos, os amigos das fotos, os filhos, os netos, o bisneto, o marido. Não se lembrava de nada, mas tinha certeza que quem tinha tanto amor assim, devia ter vivido uma vida e tanto. Naquele dia, inventaram histórias até tarde sobre as fotos e objetos cuja história ninguém conhecia. 
     
     
     [Este texto faz parte do projeto 80 Coisas. Para saber mais, clique aqui.]
   
   
"Look at this photograph!"
     

4 de abril de 2016

Brazilian Girl in the UK - some impressions.

      Para a versão em português, clique aqui.

     I left home on the 18th of September, and arrived in the UK on the 19th. It's been six months and a half now. Six months and a half of growth, many challenges, many things learnt, many dreams come true. My life here is a blessing, for several reasons - I have good friends, get to travel a lot, feel much safer walking around the streets, and, to be honest, I love the complications of doing life on my own.
However, this is a text about one very expected reality shock.

     Leicester, in spite of being the home town of the future champions of the Premier League, is also considered to be the most diverse city in the United Kingdom, and that is by no means a lie. I suspect that, amongst the people of my acquaintance, I handle people of at least 20 different nationalities on a daily basis, from immigrants to people born british, but raised in their family heritage. I go to university with people from Pakistan to the Baltics, always chat to the owner of the Costcutter next to my student court, born and raised in India, and my british best friend, Hannah, is half chinese, half mauritian. 

     Hannah herself was the one who told me with the proper words about the impressions that I had been been collecting over the past months, of how there is so much diversity around, but so little mix, in proportion. In fact, she said that mixed races couples only became an actual reality from her parents' generation, but, still, we see the division between different people. There are very strong boundaries, like, for example, between chinese people and indian and black people; and, inside the universities, most would rather hang with other students from their own fellow country. The biggest division, though, is still between english people and non-english people.
     In this crossfire, I, one always considered white enough not to suffer with racism in my home country, have found myself caught.

     The title of this text connects my three realities - as a a girl, woman, as a brazilian citizen, and as someone who currently lives in Europe. These realities are the source of these restlessness and frustration that have convinced me to write tonight.

     As a woman, chauvinism in society paints me as an object all the time. As a brazilian woman, I carry several different heritages in my blood, amongst Portugal, Spain, Cape Verde and indigenous people. As a brazilian woman living in Europe, I am always evaluated under the specific stereotypes designed for my country, whilst still standing with the rest of the non-european foreigners as mixed-race, never good enough as those whose veins carry blood subtly called pure (I assume no one has been reading Harry Potter with the right approach).

     Working in pubs across the city, it was never that hard to understand that most of english boys would rather buy drinks from my english friends. I've heard the most absurd comments, such as "how brown" my eyes are, and, once, I was asked twice if I was asian. Actually, they so eagerly ask about the heritage of non-english girls, as if there was a checklist of different races to be tasted.
     The current impression is that, in their eyes, regardless of how sucessfully we could fit in their society, we would still carry the badge of foreigners. Exotics - that innocent word that turns people into objects to be appreciated. The ones who leave their countries to steal jobs and husbands from others. Samba dancers, carnival. The girlfriends their parents would not approve.
     My refuge, in this frustration, is being sure that God is the One with all the answers that I need, and this subject is not an exception. My life, my destiny, my paths, everything has been surrendered to the Almighty. And my citizenship is in Heaven, as Paul said in Philippians 3:20. As long as I'm on Earth, I will always be a foreign. Long live us pilgrims!
   
   
     

Brasileira no Reino Unido - impressões de 6 meses.

     For the English version, click here.

     Saí de casa dia 18 de Setembro, cheguei no Reino Unido dia 19. Já são seis meses e meio, na verdade. Seis meses e meio de crescimento, de desafios, de muito aprendizado, muitos sonhos realizados. Essencialmente, minha vida aqui é muito boa, e não faltam motivos - tenho bons amigos, viajo bastante, me sinto mais segura andando pelas ruas, e, em geral, toda a experiência, com os perrengues, de me virar sozinha, é muito prazerosa.

     No entanto, este é um texto sobre um não tão inesperado choque de realidade.

     Leicester, além de ser a cidade do atual líder da Premier League, é também considerada a cidade mais diversa do Reino Unido, e não sem razão. Entre amigos e conhecidos, devo lidar diariamente com pessoas de pelo menos umas 20 nacionalidades diferentes, sem contar aqueles que nasceram britânicos, mas toda sua família ainda é ligada à herança dos pais e avós. Estudo com gente do Paquistão aos Bálticos, converso todos os dias com o dono da lojinha da esquina que nasceu na Índia, e minha melhor amiga da igreja, Hannah, é meio chinesa, meio maurícia. 

     Foi a própria Hannah quem me colocou em palavras exatas as impressões que eu vinha construindo nos últimos meses, sobre como existe diversidade, mas como é baixa a miscigenação, em proporção. Apenas as gerações mais recentes têm quebrado essa cultura, e, mesmo assim, ainda é algo em desenvolvimento. Existem barreiras muito fortes, como entre chineses e indianos e negros, e, dentro das universidades, a maioria das pessoas procura andar com aqueles que são da mesma nacionalidade. Nisso tudo, sem sombra de dúvidas a maior separação fica entre pessoas inglesas e pessoas não inglesas. 

     No meio desse fogo cruzado, eu, que, nas misturas da minha família, sempre fui branca o bastante pra ser poupada do racismo no Brasil, me descobri uma peça exótica em exposição.
O título deste texto conecta minhas três realidades - como mulher, como cidadã do Brasil, e como moradora da Europa - que são a fonte da inquietação que me faz escrever sobre isso hoje. 

     Como mulher, o machismo na sociedade me coloca como um objeto em todo o tempo. Como mulher brasileira, eu carrego muitas heranças no meu sangue, entre Portugal, Espanha, Cabo Verde e povos indígenas. Como mulher brasileira residindo na Europa, eu sou avaliada sempre sob a ótica do estereótipo que meu país carrega, mas também sou colocada com todos os estrangeiros (especialmente os não europeus) no outro lado da balança, como uma pessoa de "mixed-race", e que nunca vai estar à altura de quem não carrega a miscigenação nas veias.

     Trabalhando em pubs pela cidade, não era difícil perceber que a maioria esmagadora dos rapazes ingleses preferia ser atendido pelas minhas colegas inglesas. Já escutei comentários sobre o quão "castanhos" eram meus olhos, e, numa mesma noite, me perguntaram 2 vezes se eu era asiática. Na verdade, a ânsia por saber qual a herança genética das moças não inglesas é assustadora, quase que uma forma de preencher uma checklist de etnias ao seu alcance. 

     A impressão corrente é a de que, perante os britânicos - e os europeus, em geral - , independente de quão bem eu consiga me ajustar socialmente, sempre vamos carregar aquele distintivo de estrangeiras. Exóticas - aquela palavra que carrega o peso de transformar um ser humano num objeto para apreciação. As que saem dos seus países para roubar empregos e maridos em outros. Passistas de samba, carnavalescas. As namoradas que os pais não esperavam, que os pais não aceitam. 

     Meu refúgio, em toda essa frustração, é saber que Deus também nos dá uma resposta pra isso. Minha vida, meu destino e meus caminhos estão entregues nas mãos do Todo Poderoso. E minha cidadania é dos céus. Enquanto estiver nesta Terra, serei eternamente estrangeira. Três vivas para os peregrinos!