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15 de janeiro de 2018

O dia em que eu vi Jesus

     Uma vez, uma amiga escreveu que encontrou os olhos de Jesus no espelho. Eu sempre fui uma pessoa sensível e poética, mas eu achava aquilo misterioso demais. Eu era acostumada a encontrar Jesus na Palavra, nas canções, nas obras de arte, no pôr-do-Sol. Mas no espelho? Em mim mesma? Impossível. Eu pensava na época que ela era algum tipo de pessoa especial em quem Jesus habitava plenamente a ponto de vazar pelo olhos, mas isso porque eu ainda não entendia muito bem quem eu era. Eu descobri com o tempo que eu me tratava como uma máquina, e me descrevia como uma máquina, e tentava ser como uma máquina. E máquinas não têm alma, muito menos Espírito. 
     
     Sentar-se na frente do espelho é um exercício lamentável, se você é mulher. Você quer enxergar algo de bom em si, procura seus ângulos mais bonitos, joga um sorriso pro alto, infla o peito, murcha a barriga, empina a bunda, e depois se desmancha, desanimada. Conta todas as pintinhas e manchinhas do rosto, imagina um novo corte de cabelo, ou quais roupas te fariam parecer mais bonita que você é. Às vezes você chora, o que só piora o quadro - além de enxergar tudo que te desanima sobre seu rosto e corpo, você se lembra de tudo que te desanima sobre seu coração. 
     
     Eu sempre lamentei todas as partes que faltavam em mim, porque elas estragavam meu amor por mim, e, enfim, quem amaria alguém com tantas partes faltando? Eu queria ser inteira, ter um coração curado de todas as vezes em que foi quebrado, uma consciência limpa de todas as vezes em que quebrou os outros, um humor leve, um raciocínio menos entulhado de tanta ladainha, uma imaginação despoluída das coisas decadentes que eu colecionei pela vida. Inteira, completa. Perfeita.

     Um dia, lendo Isaías 53, eu dei de cara com uma lembrança da humanidade de Jesus. "Desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de tristeza e familiarizado com o sofrimento (...) Certamente Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças". Jesus não só era humano, era homem, mas tomou sobre Ele as mazelas, as nossas mazelas. Pediu pra que nós lançássemos sobre Ele nossas ansiedades. Disse que nos aliviaria. Olhei no espelho de novo.
     
     Eu via a mesma pessoa. Os mesmos buracos. As mesmas olheiras escuras, as bochechas cheias, a postura encurvada, a mandíbula torta. As mesmas partes faltando. Eu não podia fazer muito sobre elas, mas, em cada pedaço que eu não tinha, eu sabia que Ele estava lá, preenchendo os vazios. Ele É tão grande que cabia até no buraco negro que eu guardava no peito. Como uma tampa, que segura o fluxo de um ralo muito violento, que estava me engolindo. E, no vazio dos meus olhos, Ele era o brilho discreto, no canto, que, ao fim dos dias mais difíceis, me lembrava que ainda havia esperança.
     
     Eu achava que minhas imperfeições eram uma maldição, porque elas nunca seriam totalmente resolvidas. Eu poderia me esforçar pra sempre, mas nunca conseguiria vencer a humanidade, minha carne, meus ossos, meu sangue, e essa pele cheia de cicatrizes. Mas existe algo nas minhas manchas que me lembra que eu preciso, eu careço de algo maior, que carregue o fardo que eu não aguento, que alimente a esperança dos dias vindouros, que me salve de mim mesma quando eu não me suporto. Alguém infalível, que eu possa admirar sem restrições, alguém digno da minha adoração, do meu louvor. Alguém que já estava dentro de mim, mas eu mesma não entendia. Que bom te ter aqui, Jesus. Fica pra sempre. A casa é Sua.
     

8 de janeiro de 2013

Fracasso



     "You are so young, and I guess I'm old"

      - Eu sou um fracasso.
    
      Estavam sentados sobre o tapete da sala. A casa era dele, porém ela ali fazia morada quando fosse necessário. Naquele momento, de frente um para o outro, era ela mais casa que os tijolos e o telhado.
    
      - Não seja idiota. Você não é fracassado. Você nem mesmo fracassou.
    
    Ele abaixou a cabeça, desanimado. Buscava abrigo e condescendência no peito dela. Desejava chorar, mas segurava. Os polegares de menina empurraram seu queixo para cima, gentilmente. Seu olhar permanecia baixo. Encarava a pequena área do tapete visível entre seus pares de pernas cruzadas.
    
   Estavam tão próximos, tocavam-se. Porém, havia ali uma distância. Ela era uma menina espirituosa, ainda que estivesse caindo em um buraco – um mesmo buraco em que ele, velho, já outrora caíra. Era veneno e remédio. Mentira e verdade. Mas ele, ele já estava cansado de ser demais.
    
     - Fracassei sim. Fracassei. Não tenho mais o que fazer, ou pra onde fugir. Nada justifica que eu sequer tente – ele desistia de conter a frustração e deixava sua voz embargar-se.
     
     Ela procurava pelas palavras que o convenceriam; procurava pelos sentimentos que o fariam acreditar. Seu corpo abrigava uma alma que se jurava envelhecida, e sua coluna encurvava-se cada vez mais. Parecia querer que seu torço tocasse o chão, para que a terra o engolisse. Braços de menina não eram fortes o bastante para contê-lo e, por si, trazer consolo. Era ele quem precisava enxergar.
    
     Usou novamente seus dedos delicados para levantá-lo. Segurou seu rosto pesado entra as mãos, colocando seus olhos em mesma altura.
    
   - Olhe aqui nos meus olhos. Olhe no fundo deles; você enxerga algo? – ele se limitou a pesadamente piscar – Não seja descrente. Sabe, eu enxergo tanto nos seus. Vejo meu reflexo, consigo me encontrar aí. Meu rosto, meus olhos, meu medo de te perder. Você está cansado, tão cansado, mas ainda consegue carregar tanto brilho. Seu olhar reflete como eu te vejo. E a minha forma de te ver é tão pouco do que você é, tão pequena perto da sua grandeza. Há tanto mais. Sua alma é tão linda. Pessoas fracassadas e próximas do fim não conseguem mais brilhar, ou refletir. Diz, você consegue se enxergar nos meus olhos?
    
     Ele focou sua atenção e adentrou os olhos castanhos juvenis. Encontrou-a; reencontrou-se.  Viu ideias sobre si, ideias de quando era jovem, sonhos que havia abandonado, desespero, esperança, e alguma vitória. Ficaram em silêncio por um tempo que não foi contado. Mergulharam nos olhos um do outro e não voltaram à superfície até que houvessem quase se afogado. 

     "I see my pretty face in his old eyes"  

[canções linkadas:
- Pretty Face - Sóley
- The Poison - The All-American Rejects]