20 de julho de 2012

Quinze pra uma da manhã.


Telefone toca no meio da madrugada. O primeiro pensamento: alguém morreu.
“Alô”
“Boa noite, senhor. Por gentileza, gostaria de falar com o senhor Leandro.”
“É ele quem está falando.”
“Ah sim. Boa noite, senhor Leandro. Eu falo em nome do seu banco, gostaríamos de comunicar-lhe um débito atrasado em seu nome.”
  
Pausa
   
“Como é? Você me liga à quinze pra uma da manhã, na terça feira, pra me falar de débitos atrasados no meu nome? Por favor, moça, me faça uma gentileza, vá dormir. Vá pra sua família, pro seu marido, pra sua namorada, quem seja que vive com você. Retornem a ligação amanhã.”
“Não senhor, por favor, não desligue.”
“Felizmente, não há nada que me impeça de fazer isso. Boa noite.”
“Por favor, senhor.”
“O que exatamente me daria razão pra isso? Faça-me um favor, querida. Siga meu conselho e saia dessa vida de telefonista da madrugada. Boa noite.”
“Moço, por favor, não desligue!”
“Olha, se esse for algum desses trotes em que você vai dizer que foi sequestrada e precisa que eu deposite dez mil reais em uma conta bancária senão você morre, sinto muito, ligou pra casa do idiota errado. Boa noite, senhorita.”
“Eu te imploro, não desligue, por favor.”
“Dê um bom motivo pra não ter feito isso ainda, e continuar te escutando”.
“...”
“Isso é um não. Passar bem, moça. Boa noite, mais uma vez.”
“Você acha que a vida faz sentido?”
“Olha, moça, se você ficou presa no bloco da Filosofia ou coisa parecida, não me interessa. Isso não é motivo pra eu continuar perdendo tempo de sono. Boa noite.”
“Então a vida não faz sentido pra você”
“Quem disse isso? Eu não disse se achava ou não que a vida fazia sentido”
“Eu te fiz uma pergunta e o senhor respondeu reclamando sobre não dormir. Se isso é tudo de importante que o senhor enxerga em uma madrugada como essa, sua vida não tem o menor sentido!”
“Olha, moça, se você está tentando me enrolar pra fazer alguma cobrança indevida, rastrear os dados do meu cartão ou clonar meus documentos, parabéns, já deve ter conseguido. Aguarde meu processo e deixe que eu descanse enquanto as coisas não acontecem. Boa noite.”
“Do que você tem medo, senhor?”
“Eu? Medo? Porque eu teria medo, se você nem se lembrou de bloquear o número do celular do qual você está ligando!”
“O senhor acha mesmo que isso é algum tipo de piada?”
“Mas não é, minha querida?”
“Você deve ser algum homem de negócios, que não gasta tempo com pessoas que pareçam menos importantes a você.”
“Sou sim, um homem de negócios. Um homem de negócios com o sono! Cansei dessa narrativa epifânica. Boa noite.”
“Se te afeta, deve ser verdade!”
“Minha querida, eu já passei da idade de ser afetado por esse tipo de coisa. Precisa muito mais pra me alcançar. Sua insistência, por exemplo, faz cócegas ao meu sono, nada mais. Como meu sono é muito importante neste momento, eu devo insistir que você o deixe em paz. Mas, depois de um bom tempo de descanso, ele com certeza irá pra segundo plano e você poderá falar com ele quando e o quanto quiser. Por ora, boa noite. Cansei desse joguinho.”
“NÃO DESLIGUE, POR FAVOR!”
  
Pausa.
  
“Moça, acho que já está bem claro que isso não é uma operação de telemarketing feita fora de hora. O que exatamente está acontecendo?”
  
Silêncio.
  
“Se não há nada mais a ser dito, boa noite. Pela milésima vez.”
  
Apesar disso, o telefone continuava ligado. Mais silêncio.
  
“Me perdoe o incômodo, moço, de verdade. Eu só queria alguém pra conversar. Encontrei seu cartão na rua, há uma semana, e desde então tenho vontade de te ligar. Finalmente criei coragem, hoje. É tarde, mas eu sabia que se não fizesse agora, acabaria desistindo depois.”
  
Silêncio.
  
“Me perdoe mesmo. Mas é que eu estava me sentindo muito solitária, sabe. Eu sempre fui uma pessoa solitária, mas chegou um momento em que o silêncio começou a falar alto demais pra que eu conseguisse aguentar.”
“Onde você encontrou meu cartão?”
“Estava perto de um banco, na Praça Central. Costumo me sentar por lá no meu horário de almoço. Tão solitário, jogado.”
  
Ele ri.
   
“O que eu disse de engraçado?”
“Sabe, aquele cartão foi parar no chão depois de uma discussão com minha ex-mulher. Não nos víamos há alguns anos. Abordei-a naquele banco. Como de costume, tudo correu errado. Entreguei-lhe meu cartão, pedi que me ligasse quando estivesse mais calma. Mas ela o jogou pro alto, e se afastou xingando.”
    
Silêncio, silêncio.
    
“Eu só queria ter uma outra chance, pra fazer com que as coisas funcionassem. Queria que fôssemos amigos, pelo menos. Isso é ridículo, depois de tê-la traído tantas vezes, e incrivelmente clichê, mas acabei percebendo que ela era a única que eu queria.”
     
Pausa.
     
“E eu nem sei por que te contei isso.”
“Acho que você precisava desabafar.”
 
Pausa.
  
“Nós dois precisávamos, na verdade.”
 
Mais uma pausa.
   
“Bom, acho que agora vou te deixar dormir, senhor Leandro. Boa noite. E obrigada.”
“Eu que agradeço. Você nem me disse seu nome.”
“Carolina.”
“Ah sim, bonito nome. Boa noite, Carolina. Muito obrigado.”
“Boa noite.”
    
O telefone permanecia ligado.
    
“Sabe, será que eu poderia te ligar depois, em um horário mais apropriado? Seu número vai ficar gravado no meu telefone, de qualquer forma.”
    
Pausa.
    
“Por favor, sim.”
“Bem, isso é ótimo! Então, é isso, né. Boa noite.”
“Boa noite”.
     
Tutututututututu...

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