20 de julho de 2012

Eu não tenho amigos.


- Eu não tenho amigos.
Felicia bufou, sentada em sua cama, encarando o guarda-roupa. Uma voz surgiu da porta.
- Ah, vira homem, menina. Claro que você tem amigos. Tem a mim!
- Katarzyna, você é uma voz do meu inconsciente que representa minha subjetividade e meu ódio de mim mesma. Além de não ser minha amiga por não ser real, você não possui uma opinião válida. Por favor, retorne ao meu córtex cerebral e me deixe em paz essa noite. – Felicia suspirou e deixou-se cair deitada sobre o travesseiro. Sua imaginação fez com que a voz se movesse em sua direção e parasse ao seu lado.
- Você tem amigos sim, sua resmungona.
- Se eu for realmente tão chata quanto você é, deveria ser fácil deduzir que seria impossível pra qualquer pessoa me aturar.
- Você tem a sua família.
- Família não conta.
- Jesus.
- Além dEle.
- Mas aí você está querendo demais, né?
- Suma, Katarzyna – Cobriu os olhos com as mãos.
- Você se prende demais a umas idealizações tão ridículas, Felicia. E acho que é por isso que você está sempre tão infeliz, reclamando de tudo.
Nenhuma resposta.
- Nada a declarar? Ótimo, vou continuar falando. “Quais idealizações?”, você poderia pensar. Bem, um bom exemplo seria essa mania de acreditar que amigos são aqueles que você vê todos os dias, quase moram na sua casa, se envolvem em altas confusões ao seu lado o tempo todo, te entendem completamente e, ainda por cima, completam suas frases. Por tal coisa, eu culpo a sessão da tarde.
Um grunhido.
- Amigos não são isso, sabe. Não apenas. Cada pessoa tem suas dificuldades na vida e todo mundo vem e vai, nem todos ficam sempre ao nosso lado. Mas existe um sentimento que permanece, que causa aquela sensação nostálgica e prazerosa de reencontrar uma pessoa querida depois de muito tempo e muita distância. Não precisa sentir no ar, a quatro mil quilômetros de distância, que você está mal, e pegar o telefone no exato momento. A confiança ao se abrir e a sinceridade ao escutar e falar são as coisas que realmente importam.
- Mas eles saíram sem me convidar. Nem a Peggy me ligou.
- E agora, por causa disso, você vai parar de falar com ela? Deixa desses tipos de drama, Felicia, pelo amor de Deus, que você já está velha demais pra isso. Você sabe muito bem que não iria, nem que eles te convidassem. E antes que você diga qualquer outra coisa – Felicia permanecia em silêncio, mas seu olhar rodeava pelo quarto – não, eles não deveriam te convidar por educação. Não depois de sete anos de convivência, né.
Silêncio.
Mais silêncio.
- Talvez você esteja certa, Katarzyna.
- Bem, na verdade eu apenas repeti tudo que sua mãe te disse hoje mais cedo. Mas como Vossa Senhoria nunca dá razão a ninguém além de si própria...
- Mentira.
- Desculpa clássica que apenas confirma minhas palavras.
- Vá incomodar outra cabeça, vá.
- Ah, cale-se. E vamos, desfaça esse bico que você fica feia pra caramba assim, e vá ligar pra Peggy.
A porta de seu quarto se abriu e sua mãe entrou.
- Conversando sozinha, Felicia?
- Mais ou menos, mãe, mais ou menos. O jantar já está pronto?
- Não, filha, ainda não. É que tem alguém te esperando no telefone.
- Quem?
- Peggy.

[Pros meus amigos queridos que sempre aturaram (e aturam!) minhas crises de carência ]

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