[Texto experimental, em busca de retratar o
turbilhão de sensações e sentimentos que perpassam pelo meu corpo ao
escutar esta canção, "The Living Sculptures of Pemberley", parte da
trilha sonora da versão cinematográfica de "Pride and Prejudice". Se desejado, leia-o acompanhado pela música.]
Um som, uma nota, uma pequena clave perfumada. Um sopro, uma
tecla, um toque, dois toques. Acordes se formam como pássaros que voam para o
Sul.
Está a começar, em silêncio, uma canção de renovo. Há nos
ares o cheiro de que algo grande se sucederá. Eu posso sentir, posso sentir os
meus nervos se regozijando, minha penugem se arrepiando, e meus lábios a
suspirar o suspiro do deleite e da beleza que me tocam, profundamente, o
espírito.
Como numa brisa suave de outono, que dança por entre as
árvores caducas alaranjadas, assim vou eu. A canção me carrega entre os desenhos
suaves de sua natureza bondosa, antes de, num ímpeto, lançar-me ao mais
sofisticado e expressivo vento, entre o assombro e o êxtase. Seus acordes
gentis me tomam pelas mãos, e pulamos entre nuvens tempestivas que parecem
sorrir ao nosso caminhar. Pelos altos e baixos, o Puro nos revela as palavras
inexistentes da mais gloriosa musicalidade.
Descanso o coração e me desfaço do desprazer, jogando-o
através de uma janela voadora que tão logo aparece, já some. Sinto em minhas
costas o peso invisível de plumas, que me coçam as emoções de forma tão
brilhosa que meus olhos se fecham sem que minha consciência tome nota. E,
fechados, iludem-nos todos com imagens e luzes tão belas quanto uma manhã árabe
de Maio. Algo grande se sucederá. Algo grande está a se suceder. Algo grande me
infla o peito, como um balão revestido do mais fino ouro, recheado pelo ar que
me faz descansar e piscar tantas vezes que poderia entrar num coma de alegria
eterna.
Uma escadaria infinita e tão rebuscadamente simples, cujos
degraus são como teclas de um piano cuja sinfonia é composta por anjos. E tanta
luz, tanta luz cheirando a doce. Doce suave, que deixa nos olhos uma superfície
limpa e um sabor latente. Minhas mãos mal se percebem a brincar com o glitter
que são as lágrimas de júbilo que se deixaram escapar de meus sentidos. Maestrina
de seu farfalhar, movemo-nos pela estrada de ar puro que, atrás de nós, parece
executar precisos passos de bailarina. Perfeição junta à perfeição, em um beijo
virginal que repousa sobre um imenso lago de cisnes. Ora mais veloz, ora menos
veloz, a canção me envolve numa sequência tão macia quanto caramelo
amanteigado.
Mas, ah, tamanha ilusão. Permanecia presa à realidade,
tentando voar para sempre com aquelas asas de penas partidas, enquanto o real
peso do mundo me segurava e me acompanhava pelos pés, encoberto pelo som suave
que tomava conta de todo o meu mundo. Mas não passara de um pequeno escape, e
apenas por um breve momento. Um pequeno escape.
Foi quando a canção se acabou.