17 de abril de 2017

O Caráter do Arquiteto do Universo

     Os niilistas se desiludiram na vida porque somaram todas as probabilidades e entenderam que nada aqui faz qualquer sentido. Nascer, crescer, sentir, viver, amar, nem o famoso "viver pra fazer o bem" fazem sentido se todo mundo vai nascer e morrer igualmente. Mudar a vida das pessoas? Você e o outro vão se esquecer, vão morrer; nada tem valor, a menos que exista um projeto maior. Os tais do niilistas não acreditam que o tal do projeto exista. Eu testemunhei dele. Conheci o Arquiteto.
     
     Aliás, eu sou uma arquiteta (bom, quase), mas um dos caras que eu mais tentei imitar na vida era Físico. Meu amado Albert Einstein não acreditava em Deus, não como eu acredito, mas ele entendia, por observação, um princípio que eu aprendi com a boa prática de projeto - Deus não joga dados com o Universo. A mais excelente experiência projetual vem através de um trabalho exaustivo de garantir que todos os fatores possíveis e imagináveis sejam coerentes, coesos, funcionem juntos, e, mais importante de tudo, sejam as respostas adequadas aos problemas que eles respondem. Projeto, essencialmente, é isso, uma resposta a um problema - pode ser uma resposta artística, técnica, determinista, livre, espontânea, aberta, fechada, matemática, mas começa numa necessidade e termina em como o Arquiteto a resolve.
     
     E dois Arquitetos diferentes não projetam um mesmo programa de necessidades da mesma forma, porque o charme da Arquitetura é o caráter e a personalidade de quem projeta permeados nas linhas do desenho do projeto. Tem uma essência específica do Niemeyer nas curvas que ele desenhava que não está presente na curva ampla que Lúcio Costa desenhou, cortando Brasília de Norte a Sul. Os ângulos retos de Mies van der Rohe não são os mesmos que os da Lina Bo Bardi. E, falando da Lina, a semelhança entre seus projetos está nas sutilezas de quem ela era, porque ela soube, como poucos, responder com exatidão artística e técnica às necessidades colocadas diante de si. Entre no SESC Pompeia e se maravilhe com os inúmeros detalhes e a explosão de usos e sentimentos que eles podem inspirar. E se pessoas foram capazes de obras tão sublimes, quanto mais aquele que a Palavra chama de "O Arquiteto do Universo". Aquele que lançou os fundamentos da terra, levantou os limites dos mares, ensaiou o balé das estações e colocou o planeta pra girar, dia e noite, sem parar, através da mais sublime Sabedoria.
     
     Qualquer dia muito ruim pode ser suavizado por alguns minutos com um pôr-do-Sol enquadrado por uma janelinha. Você tromba exatamente com quem queria na rua, numa precisão geométrica, sabendo que, se tivesse olhado pro ângulo errado, teria perdido. Às vezes, escapa por pouco de bater o carro e, no dia seguinte, precisa muito dele. Às vezes, bate o carro, e no dia seguinte, de ônibus, escapa de um assalto no atalho que pegava todos os dias, ou passa um bom tempo não planejado em casa com sua mãe, de repouso de uma perna quebrada. Um problema que acontece hoje faz todo o sentido três meses, ou três anos, ou trinta, depois.
     
     Uma sucessão de incertezas e fatalidades não gera beleza. O final de uma roleta russa só pode produzir morte. Jogar dados é um desafio de azar. Um bom projeto, no entanto, produz relações ricas, se adapta às múltiplas pessoas que o vivenciam todos os dias, e permanece no tempo se for sempre bem gerido, bem cuidado. É esse o caráter de Deus, o Arquiteto disso tudo, e Edificador, e Gerente Supremo. 7 bilhões de pessoas vivas, milhares morrendo, milhares nascendo, todos os minutos, riqueza, pobreza, guerra, fome, e nossa capacidade humana de levar o livre-arbítrio às últimas péssimas consequências. Ainda assim, por mais que seu pessimismo tente te convencer do contrário, você sabe que existe esperança, porque, na multiplicação das possibilidades, você entende que a chance de que você estivesse aqui, agora, é tão ínfima quanto a chance de que Deus exista.
     
     Aí começa a fé.
     
     Você é completo e perfeito sendo exatamente quem você é, algo que ninguém mais é capaz de fazer no mundo, mesmo entre 7 bilhões (e uns quebrados) de pessoas. Olhe pra exatidão do Universo e descubra o que o Arquiteto diz sobre quem você é - talvez você seja uma porta, uma parede, uma pedra do jardim, ou uma tubulação de esgoto, e esse projeto não funciona plenamente sem a sua função - pode até estar em você a solução para os problemas dos quais você tanto reclama. Se te falta conhecimento de quem você é, ou do que você faz, divirta-se com um bom estudo de caso - leia O Livro, converse com outros funcionários, analise os desenhos, e sente-se e convide o Arquiteto para um café. A agenda dEle está sempre aberta pra você.
    

9 de abril de 2017

Senti falta da Poesia.

Senti falta da Poesia
Como quem sente
Falta de um dedo necrosando;
Meio morto, meio frio,
Impossível de usar, impossível de sentir,
Mas sempre ali, sempre aqui.
    
Senti falta da Poesia
Como uma Pequena Sereia sentiu
Falta da voz que negociou para ter pernas
E andar em paz entre os homens
(Que decisão idiota).
    
É complicada, essa tal de Poesia;
Às vezes, parece charme, mas é só tristeza;
Às vezes, parece tristeza, mas são só espasmos,
E, só de escrever, parece que sente
Mais, e enxerga melhor,
Sente até o cheiro do jardim que não plantou.
     
É complicada, essa tal de Poesia,
Porque as palavras bem jogadas
Jogam fácil conosco.
    
Mas, ainda assim,
Senti falta da Poesia.
Senti falta, porque preciso do dedo, preciso da voz;
Eles são parte de mim.
    
E sou eu mesma todo o clichê das almas poéticas,
Se desfazendo e fazendo em verso, rima e estrofe;
Sou uma Poesia em forma de Filha,
E meu Pai é a Palavra.
    

3 de abril de 2017

Eu, um Estereótipo.


        Eu consumo ficção loucamente desde que me entendo por gente. Livros, filmes, desenhos animados. Boa parte da minha visão de mundo, por muitos anos, foi moldada por histórias e personagens da ficção. Meu pai sempre me disse que isso me dava uma visão distorcida da realidade, e, por mais que eu negasse, o fato era que eu amava minha visão distorcida da realidade.
    
     Eu sempre fui uma menina com dificuldades razoáveis pra me encaixar nos lugares e me sentir confortável em meio aos outros. A ficção era a realidade na qual pessoas como eu tinham superpoderes secretos, lutavam contra o crime, salvavam toda a dimensão mágica e ainda voltavam pra escola a tempo de serem zoadas pelos colegas de turma mais uma vez. Os livros e desenhos animados eram cheios de personagens que tinham as mesmas dúvidas e questionamentos que eu, e se sentiam como eu. Então, a decisão mais óbvia diante de mim era que a maneira certa de viver era como eles! Se, nos quadrinhos, as meninas esquisitas sempre achavam um amor no fim do corredor, talvez, se eu agisse totalmente como elas, uma hora, eu encontrasse também.
    
     Isso, obviamente, foi a maior armadilha na qual eu me coloquei na vida. Quando eu comecei a viver desenhando minha história como um roteiro de filme, eu vendi minha identidade pra uma lista de coisas que meu personagem poderia ou não, deveria ou não fazer. Eu assumi vários papéis ao longo dos anos, mas nenhum foi tão decepcionante quanto o da clássica heroína romântica indie.
    
     Batizada de "manic pixie dream girl", essas personagens são moças de personalidade viva, cheia de manias engraçadas, truques bizarros escondidos na manga, gostos peculiares, encantadoras e sempre dispostas a tirar um homem brilhante da depressão e ensiná-lo a viver como se deve. Era o papel perfeito pro meu coração carente, era a promessa do amor no fim do arco-íris! Ser uma Zooey Deschanel, uma Kirsten Dunst. A Bela de uma Fera - totalmente eu, mas totalmente amável (o que eu nunca tinha sido, diga-se de passagem).

     O fim de todas as minhas histórias foi decepção. Decepção de todo mundo que age como e espera dos outros uma atitude de personagem, ensaiada e exata. Eu fui temporariamente a garota dos sonhos de alguns rapazes, mas o complexo de musa só dura enquanto você é exatamente aquilo que se imagina. E ninguém é tão bom ator que consiga fingir o tempo todo. Viver de aparências gera o espanto de quando caem as máscaras e nós descobrimos pessoas bem menos que perfeitas por trás delas. A Manic Pixie Dream Girl não tinha sentimentos próprios, nunca se chateava, irritava, mudava de ideia, e eu me odiava sempre que fazia isso. Eu odiava ser eu, por isso eu tentava ser ela. Mas ela não era real. E os papéis que eu inventava pros outros também não.

     Eu descobri a vida de verdade quando parei de negar a realidade - a minha, e a das pessoas. Ninguém é um roteiro ensaiado, ninguém é uma coisa só na vida. Ninguém é a garota de cabelo colorido que coleciona broches antigos o tempo todo, nem o herói indie depressivo e brilhante que vai amar suas músicas favoritas. As pessoas engraçadas choram, as pessoas empolgadas desanimam. Ninguém é o que 2 horas de filme podem mostrar. Nós somos cada um como um jardim, e todo jardim tem espinhos, e é assim que a vida é mesmo. Não precisa fingir que eles não existem, como se te tornassem uma pessoa menos admirável. Todo mundo tem seus prós e contras, e nenhuma solidão é pra sempre. O mundo é enorme demais pra isso.

     Hoje, eu tô me esforçando ainda pra aprender a ser eu de verdade. E, acontece, eu sou bem chata, falo demais, rio alto, tenho preguiças, me chateio com várias coisas, sofro por antecipação, e sinto demais, demais, todas as coisas, eu sou um furacão de sentimentos (e às vezes levo as pessoas ao meu redor juntas no tornado). A vida, aos poucos, vai me mudando, melhorando e moldando, mas a única forma na qual eu aceito ser colocada é na melhor versão de mim, desenhada pelo meu Criador. Nunca poderei oferecer perfeição às pessoas, nem esperar o mesmo delas. E a vida é linda por isso.