[nesta semana que antecede minha 18ª data natalícia, comprometi-me a escrever, desta Segunda, até o Sábado fatídico, um texto sobre o Tempo]
Foi numa quinta-feira, acho, mas bem pode ter sido numa
quarta, ou numa segunda. O tempo perde o sentido quando estamos tão mais
preocupados com o que há de vir a se do que com o que tem sido. Um grande dia
chega, e há já tanta preocupação com o próximo, que as coisas esvaziam-se de
sua real importância.
Em algum dia destas últimas semanas, parei por um segundo e notei
alguém que por mim passava. Ergui os olhos dos quadrinhos que lia, e observei
seus passos lentos até seu carro. Alto, costas encurvadas. Mal erguia os olhos
do chão. Movimentou a cabeça pra despedir-se de mim, com um sorriso simples.
Há algo de muito sombrio sobre a Memória. Ela nos prende ao
passado, mas transforma a saudade e a nostalgia em pesos insustentáveis. Passamos
a viver em função de preservar a lembrança do que já passou. O Tempo congela
dentro de nós. Ao nosso redor, ele continua correndo.
O brilho de um substantivo é dar substância àquilo que mal
existiria. Tenho um nome que é só meu. Ele também, mas não de todo. Assumiu o
nome daquilo que se tornou mais importante, superior a si mesmo. Penso em seu
nome, mas como o nome de alguém que esvaziou-se de quem é. Manteve a gentileza
e a disposição. Vive a vida que o trabalho lhe deu.
Ninguém sabe bem que ele é. Só onde ele está.
Responsabilizou-se por todos nós. Fez daquilo o máximo que
tem. Não sei se está feliz. Talvez tenha só aceitado. Vive num passado que se
tornou presente, e futuro. Toda sua memória se repete. Quase nada muda de novo.
A mesma rotina. Os mesmos passos. As mesmas funções. A mesma maleta, a mesma
postura recurvada, o mesmo molho de chaves no bolso. Ontem, hoje e amanhã.
Meu minuto de observação acabou quando entrou em seu carro e
foi embora. Foi embora, sozinho. Já era minha hora de ir também, mas não quis. Estava
presa àquele lugar. Ele também. Eu, por uns poucos tempos só; ele, pra sempre,
talvez. Morreria indo e vindo, quem poderia dizer que não.
Sua memória, e a memória de si, estariam sempre encrustadas
nas paredes daquela sala. Para além de enquanto estivesse ali. Ele era o lugar.
O lugar o era.
Aquele Passado se encerra quando ele sair dali.