Eu e meus amigos sempre dizemos
que Uberlândia é um ovo. Com cerca de 700 mil habitantes, uma universidade
federal, e pouquíssimas opções à vida noturna (quase todas concentradas numa
mesma área), o pessoal numa mesma faixa etária acaba sempre se conhecendo,
ainda que a maioria só “de vista”. Pois bem, numa manifestação que reuniria
cerca de 35 mil pessoas desta cidade – cerca de 5% da população – , essa
característica de cidade pequena se mostrou presente. Conforme seguíamos pelo
nosso percurso, eu via conhecidos do Ensino Fundamental, pessoas que sempre
vejo perto do meu bloco, e nos eventos que meu curso promove, amigos passando
ao longe, colegas de infância que não via havia tempos, até aquela pessoal
legal que, mesmo vivendo na mesma cidade, eu acabo conhecendo mais só pela
internet.
Porém, mais importante do que as
coisas habituais que eu vi no Grande Ato Pacífico pela Redução das Tarifas de
ônibus em Uberlândia, são as coisas que eu nunca havia visto, ou via raramente –
só, talvez, em fotos, vídeos, e sonhos. Vi amigos e inimigos acreditando
juntos. Vi gente que não fazia ideia do motivo de estar ali, acreditando.
Aturei e até aproveitei a música da mal-dita Charanga, bateria das Engenharias
da UFU. Gritei e repeti, com sinceridade, apenas as coisas nas quais eu
acreditava. Vi mais gente de verde e amarelo que em dias de jogo da Copa.
Presenciei a maior reunião de coxinhas da história dos estereótipos irritantes.
Catraca livre – andei de ônibus, e não paguei por isso. Vi minha mãe reviver seus dias de estudante ativista, pedindo aos quatro ventos
pela educação, e por melhorias à sua classe de professores. Subi no viaduto que
atrasou minhas idas à escola por quase um ano, e, de lá, vislumbrei o mar de
gente que vinha atrás de nós. Muita gente. Bem mais que eu achei que apareceria.
Bem mais que minha cidade ovo costuma transparecer que possui. Bem mais que meu
coração emotivo estaria preparado para ver.
Vi também gente defendendo causa
torta, desejando coisas erradas, lutando de uma forma infrutífera. Nossa
cultura da ofensa demonstrou-se presente mais uma vez. E quanta gente sem graça
copiando texto de outros cartazes!... Caramba, pessoal. Outra grande reunião de
máscaras do Guy Fawkes, pedindo que não houvesse violência, ou que não
invadissem/depredassem a prefeitura. Ah, e os pequenos anarcodoidos, carregando
um A gigante na testa e nas costas, explodindo bombinhas em meio à muvucas, e
dentro do túnel sob nossos pés. Psicologia das massas – você sequer sabe o que
está ocorrendo, mas, de repente, começam a correr desesperadamente, gritando,
até que um som altíssimo, abafado, e muito próximo, irrompe pelos ares. Um
susto percorre o corpo, seguido por um momento de extrema raiva. Faz parte,
certo? Discutir com a mãe cansada, pedindo pra ficar mais um pouquinho.
Perder-se dos amigos. Parar e refletir enquanto lê alguns cartazes com
mensagens realmente pertinentes. Recitar trechos de literatura da decadência
enquanto passantes com mãos faustosas passam em meio à rua em derredor, tomada
por um ruído incomum. Questionei-me tantas vezes acerca dos que sempre vejo por
aí, e dos que jamais verei novamente. Qual o fundamento disso? Quais são os
dados jogados para que se determine quantas vezes cruzaremos os caminhos e as
ideias com as pessoas com quem dividimos este espaço urbano?
A verdade é que estou de volta à
minha casa. Meus pés, pernas, lombar e braços doem. Não paro de pensar nas
consequências de tudo isto que tem ocorrido no meu país, país do qual eu
constantemente desejo fugir. Faço a
advogada do diabo às vezes, quando defendo o uso de violência em revoluções.
Mas isto não é ainda a Revolução. Talvez um ensaio, uma preparação, uma
introdução ao processo. Porém, ao mesmo tempo, será que estaria pronta pra uma
verdadeira revolução? Um país de 200 milhões pegando fogo, símbolos do poder
sendo destruídos, patrimônio do qual aprendo a cuidar na faculdade sendo posto
ao chão, governantes sendo arrastados de suas cadeiras, arrancados de suas
posições. Mais pessoas morrendo, todas nessa mesma causa. Na verdade, qual
causa? Eu quero uma para mim. No momento, o foco está nas tarifas. Mas então, o
que mudar primeiro? PEC 37? Bolsas-tudo? Feliciano? Um golpe de estado? Socialismo,
Anarquismo? Ou o genérico “lutar contra a corrupção”, o grande monstro que jamais
destruiremos sendo pacíficos e tão complacentes com mentiras e manipulações
como somos.
Somos, antes de tudo, 200
milhões. Quantos destes foram às ruas? Quantos iriam, caso fosse necessário? Eu
iria, quando tudo estivesse mesmo caindo? Quantas perguntas, quantas perguntas.
Eu tento me distrair de todas elas, ou fingir que não existem. Eu gosto de
momentos de emoção. Gosto dos pequenos atos, ainda que hipócritas, que fazem o
coração ferver. Senhoras, debruçadas sobre as janelas de seus apartamentos,
sacudindo lençóis brancos, bandeiras, e dançando ao som do nosso som. Cantar nosso
belíssimo hino nacional. Verde e amarelo – ah, como eu amo verde e amarelo. Rimas
bobas e insistentes. Música pop nacional grudenta – PRE-PARA, QUE AGORA É HORA
DE MUDAR A HISTÓRIA não, calma.
No final, somos todos ovelhas sem
pastor que não sabem ficar sozinhas. Que não sabem viver sem um ideal, uma
ideologia pela qual viver. Ainda estou procurando a verdadeira causa pela qual
lutar, a causa que vai iniciar nossa tão sonhada Revolução Brasileira. Por
enquanto, manter-me-ei adepta à grande causa da cidade ovo. De qualquer forma,
é muito divertido comentar de todas as pessoas lindas que vi ao longo das
últimas 8 horas. Eu sinto que, em breve, esse ovo vai se partir, e saberemos se
está choco, não fecundado, ou se há um filhote de pássaro pra sair dali. Talvez
Uberlândia seja só um pintinho, destinado a tornar-se uma galinha e jamais
alçar voo. Ou, talvez, torne-se um grande pássaro, aguardado pelas alturas, voando
sobre os montes, por entre as nuvens, junto com o resto do Brasil. E talvez eu
me torne também um pássaro, e voe pra longe daqui. Ou fique só em círculos pra
sempre no espaço aéreo da cidade em que nasci.