Eu nem sequer havia notado que
hoje também era à fantasia. Havia tanto tempo que eu ia trocando entre uma e
outra, que todas aquelas peles que eu tentei assumir pareciam haver se tornado
minhas de fato.
Eram nove da tarde e eu já estava
feliz e saltitante. Às vezes, um pouco ríspida e maledicente. Vez ou outra,
doce e inocente. É engraçado como, apesar de inconscientemente agindo, eu sei
dizer onde adquiri cada uma dessas facetas. Finjo-me de desentendida aos amigos
quando me questionam, porém, é tão grande o medo de mostrar-lhes quem eu
realmente sou. O curioso é que, no fundo, nenhuma fantasia realmente esconde
quem somos, não por muito tempo, não como eu talvez gostaria. Saber quem são os
que realmente me conhecem pode ser reconfortante, ocasionalmente, mas não
muito. Tenho medo de que meu real ser os afaste. Amigos sempre me foram tão
caros, tão caros. Não posso sair gastando-os como se fossem qualquer coisa que
ganhei numa esquina. É necessário manter a cautela, claro.
Essas pequenas mentiras que eu me
conto, diariamente, para que possa enganar minha consciência mais
tranquilamente, têm me sufocado. Tenho buscado algo que me convença de que não
estou errada, mas tem sido uma busca infrutífera. A verdade é muito clara, não
estou satisfeita com o que sou, ou com o que tenho sido. Tento fugir da minha
integridade. Quero impressionar as pessoas ao meu redor – a maldita necessidade
de atenção, sempre. Piada ou não, estou escrevendo e derramando meu mais íntimo
sobre este teclado, totalmente ciente de que meus textos revelam mais sobre mim
do que eu talvez saiba. Releio-os
constantemente para me atualizar de algumas situações internas que me passam
despercebidas, entre meus pequenos disfarces do dia-a-dia. Estou triste. Estou
discordando de muitas coisas. Estou desacreditada do futuro, e frustrada.
Preciso ser mais positiva, mas de verdade. Infelizmente, só a máscara tem
conseguido sorrir. Tentei viver de pequena alegria em pequena alegria, mas não
funcionou. Alimentou a imagem. O fundo permanece vazio, tão vazio quanto tem
estado desde que fui deixada sozinha pela primeira vez.
O mais curioso talvez seja que
nenhuma das fantasias que eu visto sequer se aproxima da pessoa que eu
realmente gostaria de ser. Meiga, discreta, silenciosa, respeitável, bondosa,
calma e compreensiva. Sou barulhenta e reclamona. Tento forçar uma
personalidade conquistadora, mas ela é tão repulsiva quanto um rato de esgoto
seria, caso eu o soltasse entre as pessoas de minha rotina. Às vezes, me
pergunto se realmente ainda me lembro do que realmente sou, já que há tanto
tenho me prendido àquilo que não sou. Toda essa bagunça, por tão óbvia, comum e
compreensível, é extremamente doentia. Por que razão eu sou assim? Por que
razão minha personalidade não é outra? E, o pior de tudo – por que não consigo
abraçar minha verdadeira essência, melhorando-a, lapidando-a, ao invés de
insistir em tentar ser o que penso que seria melhor?
A pior das verdades é que eu não
sei a resposta pra qualquer uma dessas questões. Nem sei se jamais as
descobrirei. Mas o fato é que eu espero que encontra-las não importe para que
eu mude. Para que eu pare de me importar com o que todas as vozes ao meu redor,
e dentro de mim, me dizem. Sei que posso ser verdadeira, boa para outros, e
para mim. Sei que posso acordar, sorrir ao me olhar no espelho, e continuar
sorrindo conforme saia na rua, e veja pessoas mais bonitas ou legais que eu,
sem que isso faça com que eu me sinta culpada. Diamantes podem se parecer com
vidro quebrado, mas eu prefiro ser o mais valioso. E, no fundo, eu acredito que
seja. Só preciso encontrar a garota perdida e desnorteada dentro de mim,
clamando por liberdade.