- "(...) a Discórdia infatigável,
- Companheira e irmã do homicida Ares,
- Quem a princípio se apresenta timidamente, mas que logo
- Anda pela terra enquanto a fronte toca o céu." Homero - Ilíada
- Quem dera fosse eu um passarinho. – Ele disse baixinho, entre suspiros.
- Por quê? – Ela falava entre dentes, sem movimentar a
cabeça ou focalizar o olhar vazio.
- Por que o quê?
- Por que você queria ser um passarinho.
- Ah, estava apenas pensando alto. Nada demais. Só uma
reflexão boba. Não vale a pena falar sobre.
- Nós estamos sentados aqui há mais de quarenta minutos sem
trocar mais do que cinco palavras. Por
favor, diga algo sobre essa reflexão boba, antes que o silêncio comece a
fazer mais barulho que a minha circulação sanguínea.
Ambos se endireitaram
sobre o tapete não muito felpudo, apoiados na parede da sala.
- Ok, vou começar a falar agora. Bem, eu gostaria de ser um passarinho.
- Certo, Batman. E essa parte eu já entendi.
- (Um olhar raivoso) Precisava
mesmo dessa grosseria, Anna? Também não vou desenvolver meu pensamento mais.
- (Um acre tom
irônico) Desculpa-me, Hulk, não intendia deixar-te zangado – (Um doce olhar sarcástico) – Não
obstante, não enxergo tal grosseria. Por qual razão Vossa Mercê gostaria de ser
um passarinho?
- Mais uma gracinha, e eu me calo
- Mais uma frescura, e eu não te escuto.
- Você quem pediu que eu falasse sobre minha reflexão,
desgraçada. Admita, você não queria me escutar, queria era me esculachar. Seu
veneno não estava aguentando ficar tanto tempo fechado dentro dessa boca
enorme, sua língua de cobra já clamava por liberdade.
- Se você ia ficar se machucando com qualquer coisinha que
eu falasse, por que aceitou falar sobre essa sua maldita reflexão?
- Quer saber de uma coisa, dane-se aquela reflexão, tenho
uma ideia nova. Queria ser um passarinho pra poder sair voando, ficar livre de
você e de brinde poder defecar na sua cabeça.
- A porta está sempre destrancada para você, Homem Pássaro.
E outra coisa, aquela pasta branca é ureia, ou seja, urina, não fezes. Além
disso, você já deixa tantos resquícios de urina no vaso sanitário que, na
cabeça ou no banheiro, já não me faz muita diferença, actu.
Alguns poucos minutos
em silêncio.
- Você não se cansa de todas as nossas melhor intencionadas
conversas terminarem desse jeito?
- Não, nem tanto. Sabe, acho que foram elas que me deram a
certeza de que devia me casar com você.
- Talvez. – Ele escorregou
levemente as costas e encarou, pensativo, o vazio.
Mais um pouco de
silêncio.
- Acho que eu só gostaria de ser um passarinho se você
também pudesse ser um.
- Mas eu não tenho vontade de ser um passarinho.
- Desgraçada.